A terapia com células-tronco, especialmente as baseadas em células-tronco mesenquimais (CTMs), representa uma promissora fronteira da medicina regenerativa para o tratamento de diversas doenças e lesões que, até o momento, não possuem cura. As CTMs são células-tronco multipotentes que possuem a capacidade de se autorrenovar e se diferenciar em linhagens mesenquimais, como ossos, cartilagem e gordura, além de possuírem propriedades imunomoduladoras e regenerativas. Elas podem ser obtidas de diversas fontes, como medula óssea (MO-CTM), tecido adiposo (TA-CTM) e cordão umbilical (CU-CTM), sendo estas as mais estudadas em ensaios clínicos em humanos. Apesar de um grande corpo de evidências pré-clínicas e ensaios clínicos que atestam a segurança das terapias com CTMs, a eficácia do tratamento ainda é inconsistente e, na melhor das hipóteses, marginalmente positiva, independentemente da origem do tecido, rota de administração, dose ou pré-condicionamento.
Nesse contexto, surge a hipótese de que a origem do tecido das CTMs pode desempenhar um papel fundamental em suas aplicações clínicas. Esta ideia propõe um modelo de “terapia direcionada” em que a CTM mais adequada para um tratamento específico seria selecionada com base em sua origem. Essa abordagem visa a otimizar a eficácia terapêutica, superando a visão de que todas as CTMs, independentemente de sua fonte, teriam efeitos benéficos semelhantes.
A base para essa hipótese reside nas características intrínsecas de cada tipo de CTM. Por exemplo, a medula óssea é um complexo nicho de células-tronco regulado diretamente pelo sistema nervoso central, o que confere às CTMs de medula óssea a capacidade de expressar fatores neuroprotetores como o CXCL12 (SDF-1) em resposta a estímulos neuronais. Isso as tornaria candidatas ideais para o tratamento de lesões cerebrais e da medula espinhal. Em ensaios clínicos para doenças neurodegenerativas como o AVC e lesões na medula espinhal, as CTMs de medula óssea são as mais utilizadas e demonstraram resultados promissores na melhoria das funções motoras e na conectividade neural.
As CTMs de tecido adiposo, por sua vez, seriam as mais indicadas para o tratamento de distúrbios reprodutivos e para a regeneração da pele. O tecido adiposo é considerado um órgão endócrino ativo que participa da regulação hormonal, angiogênese e cicatrização da pele. Essa origem “endócrina” e a forte capacidade de diferenciação adipogênica das TA-CTMs, juntamente com a secreção de fatores de crescimento como HGF, TGF-β, VEGF, IGF-1 e EGF, sustentam seu potencial para a regeneração ovariana e a cicatrização de feridas. Ensaios clínicos demonstraram que as TA-CTMs podem melhorar a função ovariana e acelerar a cicatrização de queimaduras, evidenciando seu papel promissor nestas áreas.
Já as CTMs de cordão umbilical são apontadas como uma alternativa potente para o tratamento de doenças pulmonares, como a displasia broncopulmonar (DBP) e a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). A facilidade de obtenção, a alta taxa de proliferação e as superiores propriedades imunomoduladoras das CU-CTMs, com baixa expressão de MHC I e ausência de MHC II, as tornam produtos “prontos para uso” ideais para a terapia alogênica. A maioria dos estudos sobre doenças pulmonares utiliza CTMs de cordão umbilical e demonstra que elas podem atenuar a inflamação, promover a regeneração do tecido pulmonar e prevenir a “tempestade de citocinas” característica da COVID-19.
Apesar do potencial promissor, a validação dessa hipótese ainda enfrenta desafios. A quantidade de ensaios clínicos que comparam diretamente CTMs de diferentes origens para a mesma doença é limitada, dificultando a confirmação estatística de qual fonte é superior. No entanto, esta abordagem de terapia direcionada baseada na origem celular, se comprovada, pode ser um grande avanço para a medicina regenerativa, permitindo a seleção de um tipo de CTM específico para cada doença e maximizando a eficácia do tratamento de forma segura e personalizada.
Referência:
Hoang, D. M. et al. Stem cell-based therapy for human diseases. Signal Transduction and Targeted Therapy, v. 7, n. 272, 2022. doi: 10.1038/s41392-022-01134-4.
Centro de Pesquisa e Análises Heráclito
Neurociência / Biologia / Psicologia / Psicanálise / Genômica
Tel.: +351 939 895 955 / +55 21 999 989 695
contato@cpah.com.br


