Reproduzido de BBC Brasil.
Cientistas franceses e espanhóis constataram através de estudo que alimentos ultraprocessados – como nuggets de frango, sorvetes e cereais matinais – estão associados à morte prematura e a problemas de saúde. O consumo deste tipo de alimento disparou nos últimos anos. No Brasil, por exemplo, o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados foi de 400%.
Ainda que, as descobertas não possam ser interpretadas como prova definitiva de que esses alimentos fazem mal, os dados foram coletados baseados em uma série de testes que indicam que tais alimentos induzem pessoas a comer em excesso. Especialistas expressaram cautela em relação às conclusões, mas defendem mais pesquisas sobre o assunto.
O que são alimentos ultraprocessados?
O termo se refere à classificação de alimentos pela quantidade de processamento industrial que passaram.
A categoria mais baixa é “alimentos não processados ou minimamente processados”, que incluem:
• frutas
• legumes
• leite
• carne
• leguminosas, como lentilhas
• sementes
• grãos, como arroz
• ovos
Já os “alimentos processados” foram alterados para que durem mais ou tenham um sabor melhor – geralmente usando sal, óleo, açúcar ou fermentação. Esta categoria inclui:
• queijo
• bacon
• pão caseiro
• frutas e legumes enlatados
• peixe defumado
• cerveja
Em seguida, vêm os “alimentos ultraprocessados”, que passaram por um maior processamento industrial e muitas vezes têm uma infinidade de ingredientes em sua composição, incluindo conservantes, edulcorantes ou intensificadores de cor.
Maira Bes-Rastrollo, da Universidade de Navarra, na Espanha, disse à BBC News: “Dizemos que se um produto contém mais de cinco ingredientes, provavelmente é considerado ultraprocessado”.
Resultados
O primeiro estudo, realizado pela Universidade de Navarra, acompanhou 19.899 pessoas durante uma década e avaliou sua dieta a cada dois anos.
Durante o estudo, 335 participantes morreram.
Para cada 10 mortes entre os que comeram menos alimentos ultraprocessados, houve 16 mortes entre os que comeram mais alimentos desse tipo (mais de quatro porções por dia).
O segundo estudo, da Universidade de Paris, acompanhou 105.159 pessoas durante cinco anos e avaliou sua dieta duas vezes por ano.
A pesquisa mostrou que aqueles que comem mais alimentos ultraprocessados tiveram mais problemas cardíacos.
As taxas de doença cardiovascular foram de 277 por 100 mil pessoas por ano entre aqueles que consumiram os alimentos mais ultraprocessados, comparados com 242 por 100 mil entre aqueles que comeram menos.
Mathilde Touvier, da Universidade de Paris, diz à BBC News: “O rápido e crescente consumo mundial de alimentos ultraprocessados, em detrimento de alimentos menos processados, pode gerar um número maior de doenças cardiovasculares nas próximas décadas”.
Então, esses alimentos prejudicam a saúde?
“Há cada vez mais provas disso”, diz Touvier à BBC News.
“Um número crescente de estudos independentes vem associando alimentos ultraprocessados a efeitos adversos à saúde”.
No ano passado, foi verificada uma ligação entre o consumo desses alimentos ao maior risco de câncer.
Bes-Rastrollo, da Universidade de Navarra, diz à BBC News estar “muito segura” de que eles trazem malefícios à saúde.
O desafio é estar “100% seguro”.
Os estudos identificaram um padrão entre alimentos altamente processados e problemas de saúde, mas ainda não conseguem comprovar com 100% de certeza de que um provoca o outro.
Isso porque quem comia alimentos mais ultraprocessados também era mais propenso a ter outros comportamentos não saudáveis, como o tabagismo.
Kevin McConway, professor de estatística da Open University, em Londres, se mantém cauteloso quanto aos resultados.
“Esses estudos aumentam minha certeza de que essa associação é verídica – mas ainda estou longe de ter absoluta certeza.”
Por que os alimentos ultraprocessados podem ser ruins?
O primeiro teste de alimentos ultraprocessados mostrou que eles levavam as pessoas a comer mais e engordar.
Pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA monitoraram cada porção de comida que os voluntários comeram durante um mês.
Quando comiam alimentos ultraprocessados, acabavam ingerindo 500 calorias a mais por dia do que quando comiam alimentos não processados.
Outras descobertas incluem:
> Eles são cheios de energia, mas têm baixo teor de nutrientes e fibras
> Embora os aditivos nos alimentos tenham sido testados quanto à segurança, pode não ser saudável consumir muitos aditivos de diferentes alimentos
> As pessoas comem mais porque esses alimentos são “mais fáceis” de comer
> Eles reduzem a ingestão de alimentos mais saudáveis, como frutas e legumes, da dieta – afinal, por que comer uma banana quando você pode tomar sorvete?
No entanto, mais estudos são necessários para comprovar essas hipóteses.
Opinião dos nutricionistas
Victoria Taylor, nutricionista-sênior da Fundação Britânica do Coração, diz: “Já recomendamos que as pessoas adotem uma dieta de estilo mediterrâneo, que também inclui muitos alimentos minimamente ou não processados, como frutas, legumes, peixe, nozes e sementes, feijão, lentilhas e cereais integrais.
“Adotar esse tipo de dieta, além de fazer exercícios regularmente e não fumar, reduz o risco de doenças cardíacas e circulatórias”, diz.
Bes-Rastrollo, por outro lado, diz acreditar que já existam evidências suficientes para os governos começarem a agir também.
Diz ela: “Medidas como tributação maior e restrições de comercialização de alimentos ultraprocessados para desencorajar o consumo [devem ser consideradas]”.
“Ao mesmo tempo, é preciso promover a ingestão de alimentos frescos e minimamente processados.”
O rótulo ultraprocessado não passa de uma bobagem sem sentido?
Rotular alimentos como ultraprocessados tem angariado muitos críticos.
O médico Gunter Kuhnle, professor-associado de nutrição e saúde da Universidade de Reading, no Reino Unido, diz que os estudos são importantes e justificam uma investigação mais aprofundada.
Mas a rotulagem de alimentos ultraprocessados pode ser inconsistente.
Diz ele: “Não é óbvio porque o salame é considerado ultraprocessado, mas o queijo, que muitas vezes requer consideravelmente mais etapas de processamento e aditivos, não é”.
“A classificação combina uma ampla gama de alimentos com impactos potenciais muito diferentes sobre a saúde, o que limita sua utilidade como base para recomendações nutricionais.”
Os estudos foram publicados na revista científica British Medical Journal.