Os casos de gripe aviária (influenza A/H5N1) identificados recentemente em humanos estão deixando autoridades de saúde do mundo inteiro em alerta. Apesar da doença ainda ser considerada esporádica em pessoas, já que atinge tipicamente aves selvagens, cerca de 900 casos foram relatados desde 2003, dos quais cerca de metade foi fatal. Em 2024, mais de 60 casos humanos de influenza A/H5N1 foram reportados nos Estados Unidos, embora nenhum com comprovação de ter sido proveniente de infecção entre pessoas, segundo os Centros de Controle de Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), e um adolescente canadense foi infectado pela doença, conforme o governo do país. No Brasil, em 2024 não foi confirmado nenhum caso, nem em animais, nem em humanos, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária.
O vírus Influenza A/H5 está em constante evolução e tem potencial de se tornar transmissível de pessoa para pessoa. Se isso ocorrer, pode ser o início de uma nova pandemia de influenza, como foi o caso das de H1N1 de 1918 e 2009, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A linhagem H5N1 surgiu pela primeira vez em 1996 e tem causado surtos em aves desde então. Desde 2020, uma variante desses vírus levou a um número sem precedentes de mortes em aves selvagens e aves domésticas em muitos países. Afetando primeiramente a África, Ásia e Europa, em 2021, o vírus se espalhou para a América do Norte e, em 2022, para a América Central e do Sul. De 2021 a 2022, a Europa e a América do Norte observaram sua maior e mais extensa epidemia de gripe aviária com persistência incomum do vírus em populações de aves selvagens. Desde 2022, tem havido relatos crescentes de surtos mortais entre mamíferos, também causados por vírus influenza A/H5 – incluindo influenza A/H5N1.
Entenda mais sobre o vírus, como ocorre a transmissão em animais e humanos, formas de prevenir o contágio e os tratamentos indicados.
O que é o vírus da gripe aviária?
A influenza aviária, conhecida mundialmente como Influenza A Viruses ou com a sigla IAV, é um tipo de gripe zoonótica (ou animal) que afeta sobretudo aves selvagens e domésticas, e que tem como agente responsável um ortomixovírus. Todos os vírus influenza de aves e de muitos mamíferos são do tipo A. Eles são classificados em subtipos com base em diferenças antigênicas de duas proteínas de superfície: hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA). Existem pelo menos 16 subtipos de HA e 9 de NA reconhecidos como de origem aviária, que dão origem aos subtipos da influenza A H5N1, H9N2, H3N8, entre outros.
Os IAVs podem ser classificados pela categoria e subtipo de patogenicidade. Os vírus de alta patogenicidade (HPAI – Highly Pathogenic Avian Influenza, na sigla em inglês) H5 ou H7 são assim classificados a partir de um teste de virulência realizado em galinhas, conforme a capacidade do vírus de causar lesões severas e alta mortalidade. Os de subtipo H3N2 são considerados de baixa patogenicidade.
O H5N1 é um dos vários vírus da gripe que causam uma doença respiratória altamente infecciosa em aves. Infecções em mamíferos, incluindo humanos, também foram documentadas. A infecção pelo vírus da gripe H5N1 pode causar uma série de doenças em humanos, de leves a graves e, em alguns casos, pode até ser fatal.
Como ocorre a infecção das aves?
As aves são hospedeiros naturais da influenza aviária, principalmente as aves aquáticas selvagens, como gansos, pelicanos e garças. Em suas migrações, elas contraem e espalham o vírus, o que explica por que ele surge em diferentes lugares do mundo e em diferentes subtipos. O vírus é excretado por aerossóis respiratórios, muco e fezes da ave infectada e, por isso, mesmo aves domésticas, como as galinhas, perus e galinhas d’angola, podem se infectar se tiverem contato.
Mamíferos terrestres e marinhos foram afetados, incluindo surtos em animais de criação e selvagens, como focas, leões marinhos, raposas, ursos, lontras, guaxinins, gatos, cães, vacas e cabras, entre outros.
É possível detectar sintomas nas aves?
Sim. Aves e galinhas infectadas costumam apresentar sintomas de gripe como tosse, espirros, muco nas vias aéreas, além de andar cambaleante e presença de sangue em áreas sem penugem. Entre as galinhas poedeiras, há significativa redução na produção de ovos e elas podem apresentar uma grave hemorragia em até 24 horas, dizimando plantéis inteiros.
Como ocorre a transmissão do vírus de aves para humanos?
A transmissão para humanos, considerada esporádica, ocorre após contato próximo com a ave infectada e/ou suas fezes. A forma de transmissão mais plausível é o contato com as penas, pele, mucosas e aerossóis, isto é, pela manipulação do animal infectado vivo ou morto – este último na manipulação em frigoríficos, por exemplo – e depois de encostar a mão contaminada nos olhos, nariz ou boca. Como o vírus fica nas fezes do animal, outra via de transmissão é o contato com o dejeto e/ou seus aerossóis – o que afeta quem for limpar as fezes ou varrê-las e aspirar as partículas, por exemplo.
Um humano pode passar a infecção para outro humano?
Faltam evidências científicas que demonstrem que um humano infectado tenha sido capaz de contagiar outro. A maioria dos casos recentes mostra que pessoas que adoeceram por gripe aviária tiveram contato próximo com aves. No entanto, nem todos os familiares da pessoa doente, mesmo em contato próximo com ela, foram infectados ou adoeceram.
Quais os sintomas da gripe aviária em humanos?
Os sintomas da infecção por H5N1 podem incluir febre frequentemente alta, acima de 38°C, mal-estar, tosse, dor de garganta e dores musculares. Outros sintomas iniciais incluem conjuntivite e sintomas não respiratórios. A infecção pode progredir rapidamente para doença respiratória grave e alterações neurológicas (estado mental alterado ou convulsões) ou mesmo ser assintomática.
O humano pode morrer por gripe aviária?
Sim. A doença em humanos pode ser bastante grave e causar a morte – a taxa de letalidade é de 53%, ou seja, pode matar mais da metade dos infectados. De acordo com a OMS, pacientes com influenza A/H5N1 devem ser tratados adequadamente para prevenir a doença grave e morte.
Há tratamento contra a influenza aviária?
Pacientes com infecção pelo vírus influenza A/H5N1 confirmada em laboratório com doença progressiva, complicada ou grave – ou aqueles com doença assintomática ou leve, mas que apresentam risco aumentado – devem ser tratados com medicamentos antivirais o mais rápido possível.
O que fazer para evitar a transmissão do vírus entre humanos?
Nos humanos, a prevenção envolve as mesmas medidas previstas para outros vírus transmitidos por aerossol: lavagem de mãos, uso de máscara e distanciamento social, se apresentar sintomas gripais. Para pessoas que trabalham no manejo de aves, o uso de luvas e equipamentos de proteção individual podem evitar o contato direto com o animal. Trocar de roupa depois de lidar com os animais também é indicado. Se apresentarem sintomas gripais, as pessoas devem se proteger com máscaras e tentar permanecer isoladas até o desaparecimento de possíveis sintomas.
Em caso de dificuldades respiratórias, é preciso procurar atendimento médico e fazer o teste de detecção de influenza por PCR ou teste molecular.
Posso contrair gripe aviária no preparo do frango ou ovos?
O manuseio e cozimento adequados de aves e ovos a uma temperatura mínima de 75°C mata bactérias e vírus, incluindo o da gripe aviária. Deve-se evitar o consumo de carne de frango e ovos crus ou malcozidos, sobretudo em área com suspeita ou confirmação de infecção por influenza A aviária em animais ou seres humanos. Da mesma forma, animais doentes ou que morreram inesperadamente não devem ser consumidos.
É seguro consumir leite e outros alimentos de áreas onde há animais infectados?
Em alguns lugares, os vírus H5N1 foram detectados no leite cru de vacas leiteiras infectadas. Com base nos estudos disponíveis, a pasteurização parece inativar o vírus e torná-lo seguro para consumo.
A OMS recomenda fortemente que os consumidores optem pelo leite pasteurizado e evitem consumir leite cru para reduzir a exposição a uma série de patógenos, incluindo, mas não se limitando ao vírus H5N1. Se o leite pasteurizado não estiver disponível, aquecer o leite cru até ferver também pode torná-lo mais seguro para consumo. Produtos lácteos, como queijo feitos seguindo padrões rígidos de higiene, são considerados seguros para consumo.
Existe uma vacina disponível para prevenir a infecção humana com vírus H5N1?
Alguns países desenvolveram e licenciaram vacinas que podem ser usadas para vírus de influenza aviária, incluindo H5N1, como parte do trabalho de preparação para pandemias. A OMS tem acordos com 15 fabricantes de vacinas para acessar cerca de 10% da futura produção em tempo real no caso de uma pandemia. Esses imunizantes seriam distribuídos aos países com base no risco e na necessidade de saúde pública.
No Brasil, o Instituto Butantan vem monitorando cepas com potencial pandêmico desde 2011, e iniciou o processo de desenvolvimento de uma possível vacina contra a gripe aviária em humanos. A instituição já fez o pedido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar uma pesquisa clínica com sua candidata a vacina contra a gripe aviária. O ensaio clínico de fase 1 e 2 do imunizante influenza monovalente tipo A (H5N8) pretende comprovar sua segurança e imunogenicidade (capacidade de gerar anticorpos). O Butantan fez testes pré-clínicos e já tem disponível um lote reserva para a pesquisa clínica.
A OMS ressalta, no entanto, que infecções humanas de H5N1 ainda são limitadas, e a disponibilização de vacinas massivamente não é recomendada por enquanto.
Essa matéria contou com a colaboração da diretora técnica do Laboratório de Virologia do Instituto Butantan, Viviane Botosso
Matéria – Instituto Butantan