Um painel internacional de especialistas em diabetes publicou recomendações práticas para o tratamento do diabetes em pacientes com Covid-19, tanto no ambiente hospitalar como no ambulatorial.
O objetivo, segundo os especialistas, é enfatizar “os vários desafios” que os profissionais de saúde, “desde os médicos até a equipe da unidade de terapia intensiva (UTI) podem enfrentar no tratamento deste subgrupo vulnerável… de pacientes com diabetes… em risco de, ou com, Covid-19.”
As recomendações foram publicadas on-line em 23 de abril no periódico Lancet Diabetes & Endocrinology como uma “opinião pessoal” de um grupo com 19 membros liderado pelo Dr. Stefan R. Bornstein, médico do Helmholtz Zentrum München e da Technische Universität Dresden, na Alemanha.
O grupo conta com profissionais provenientes da Europa, Estados Unidos, Ásia, Austrália e América do Sul.
O diabetes costuma ser um importante fator de risco de pneumonia e sepse graves devido a infecções virais, e dados de várias fontes sugerem que o risco de morte por Covid-19 é até 50% maior entre as pessoas com diabetes do que entre aquelas que não apresentam a doença, afirmaram os autores.
As evidências também sugerem que os riscos associados à Covid-19 são maiores com o controle glicêmico não ideal, e que o vírus parece estar associado a aumento do risco de cetoacidose diabética e diabetes de início recente.
Com base nesses resultados – e nas recomendações preliminares da American Diabetes Association, entre outras sociedades de especialistas – e em uma pesquisa na literatura por uma combinação de termos apropriados no PubMed entre 29 de abril de 2009 e 05 de abril de 2020, o grupo fez as seguintes recomendações.
Tratamento ambulatorial e hospitalar
1. Prevenção de infecções e tratamento ambulatorial:
- Conscientização dos pacientes com diabetes sobre a importância do controle metabólico ideal. Isso é particularmente importante em indivíduos com diabetes tipo 1, que devem ser lembrados do monitoramento domiciliar de cetonas e das regras para os dias de doença.
- Otimização da terapia atual, se necessário.
- Cuidado com a interrupção prematura do tratamento atual.
- Uso de telemedicina e modelos de saúde conectados, se possível, para manter o isolamento máximo.
2. Monitorar o surgimento de diabetes em todos os pacientes hospitalizados com Covid-19.
3. Tratamento de pacientes com diabetes infectados (UTI):
- Monitoramento de glicemia plasmática, eletrólitos, pH, cetonas no sangue ou β-hidroxibutirato.
- Indicação liberal de tratamento intravenoso com insulina precoce em pacientes com doença grave (síndrome do desconforto respiratório agudo, hiperinflamação) para titulação exata, evitando reabsorção subcutânea variável, evitando consumo muito alto de insulina comumente visto.
4. Alvos terapêuticos:
- Glicemia no plasma: de 72 mg/dL a 144 mg/dL para pacientes ambulatoriais ou de 72 mg/dL a 180 mg/dL para pacientes internados ou em terapia intensiva, com possível ajuste para cima do valor mais baixo para pacientes frágeis para 90 mg/dL.
- A1c < 7%.
- Alvos de monitoramento contínuo da glicose/monitoramento instantâneo da glicose: Tempo no intervalo (de 70 mg/L a 180 mg/L) > 70% do tempo (ou > 50% em pacientes frágeis e mais idosos).
- Hipoglicemia < 70 mg/dL: < 4% (< 1% em pacientes frágeis e idosos).
Medicamentos: interromper alguns, ter cautela com outros
Em relação aos medicamentos, o grupo recomenda que tanto a metformina como os inibidores do cotransportador 2 de sódio-glicose (SGLT2, sigla do inglês, Sodium-Glucose Cotransporter-2) sejam interrompidos em pacientes com Covid-19 e diabetes tipo 2 para reduzir o risco de descompensação metabólica aguda.
Para ambas as classes de medicamentos, as preocupações incluem maiores riscos de desidratação, lesão renal aguda e doença renal crônica, por isso é recomendado um monitoramento rigoroso da função renal.
A metformina também aumenta o risco de acidose láctica, e os inibidores do SGLT2 aumentam o risco de cetoacidose diabética.
A metformina e os inibidores do SGLT2 não devem ser interrompidos profilaticamente em pacientes ambulatoriais que não têm evidência de Covid-19.
Tanto os agonistas do receptor de peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1, sigla do inglês, Glucagon-Like Peptide-1) como os inibidores da dipeptidil peptidase 4 (DPP-4, sigla do inglês, Dipeptidyl Peptidase-4) podem continuar sendo administrados, sendo este último geralmente bem tolerado. No entanto, os pacientes que usam agonistas do GLP-1 devem ser monitorados atentamente quanto à desidratação, e a ingestão adequada de líquidos e refeições regulares devem ser incentivadas.
A terapia com insulina nunca deve ser interrompida, e pode ser necessário iniciá-la nos pacientes recém-diagnosticados ou com hiperglicemia após a retirada de outros agentes.
O monitoramento da glicemia sérica deve ser incentivado a cada duas a quatro horas ou com o uso do monitoramento contínuo da glicose. A dose de insulina deve ser ajustada com base na necessidade, que pode ser bastante elevada em pessoas com Covid-19. Pode ser necessária infusão intravenosa de insulina.
O uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) II deve ser mantido; as evidências a este respeito até o momento são tranquilizadoras, e todas as principais sociedades de cardiologia recomendam que os pacientes continuem o uso desses agentes.
O uso de estatinas também deve ser mantido, “em função dos benefícios em longo prazo e da possibilidade de favorecimento uma ‘tempestade de citocinas’ por aumento de rebote nas interleucinas (IL) 6 e IL-1β, se forem interrompidas”, escreveram Dr. Stefan e colaboradores.
Por fim, os especialistas dizem que “é necessário uma atenção considerável ao balanço hídrico, uma vez que existe o risco de o excesso de fluidos exacerbar o edema pulmonar em um pulmão gravemente inflamado”.
Além disso, o equilíbrio de potássio precisa ser considerado com cuidado no contexto do tratamento com insulina, “porque a hipocalemia é uma característica comum na Covid-19 (possivelmente associada ao hiperaldosteronismo induzido por altas concentrações de angiotensina II) e pode ser exacerbada após o início da insulina”.
Outras considerações clínicas: Rastreio para hiperinflamação
Como os pacientes com diabetes tipo 2 e doença hepática gordurosa podem ter mais risco de tempestade de citocinas e Covid-19 grave, recomenda-se o rastreio para hiperinflamação.
O rastreio inclui a procura por tendências laboratoriais (por exemplo, aumento da ferritina, diminuição da contagem de plaquetas, proteína C reativa de alta sensibilidade ou velocidade de hemossedimentação), que são importantes e também podem ajudar a identificar subgrupos de pacientes para os quais a imunossupressão (corticosteroides, imunoglobulinas, bloqueio seletivo de citocinas) poderia melhorar os desfechos.
Apesar das vantagens da cirurgia metabólica eletiva para pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade, este procedimento deve ser postergado durante o surto de Covid-19.
Como o SARS-CoV-2 pode induzir alterações metabólicas em longo prazo, recomenda-se monitoramento cardiometabólico cuidadoso dos pacientes que tiveram Covid-19.
Ao concluir, o grupo enfatizou que “todas as nossas recomendações e reflexões são baseadas em nossa opinião como especialistas, ainda aguardando o resultado de ensaios clínicos randomizados”.
“A realização de ensaios clínicos em circunstâncias desafiadoras é comprovadamente possível durante a pandemia da Covid-19. Pesquisar se algumas das várias abordagens terapêuticas seriam particularmente eficazes no acompanhamento do diabetes em um contexto de Covid-19 será importante.”
Dr. Stefan informou não ter relações financeiras relevantes. Um dos autores informou que participa ou participou de conselhos consultivos da Novo Nordisk, Abbott e Medtronic. Os demais autores informaram não ter relações financeiras relevantes.
Lancet Diabetes Endocrinol. Publicado em 23 de abril de 2020. Texto completo
Com informações de “Mais orientações sobre pacientes com diabetes e Covid-19 – Medscape – 18 de mai de 2020.”