Um trabalho de pesquisadores da USP ajuda a explicar o papel do hormônio do crescimento (GH) na reprodução. A partir de estudos em modelo animal cujos receptores para este hormônio foram deletados em diferentes grupos de neurônios, concluiu-se que ele não é determinante no desencadear da puberdade, mas pode retardar sua progressão e o ganho de peso – necessário para o início da puberdade – além de afetar o ciclo ovulatório. O estudo do grupo do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em parceria com pesquisadores da Universidade de Ohio (EUA) foi publicado este mês na revista científica Journal of Endocrinology.
Já se sabia que o GH também atuava na reprodução. Humanos com deficiência na sinalização do GH apresentam problemas de fertilidade, que podem eventualmente ser revertidos com a terapia de reposição. No entanto, como em outros casos na medicina, saber que um tratamento funciona nem sempre é acompanhado de uma explicação sobre por que funciona.
Desde pelo menos a década de 1960, os cientistas têm o conhecimento de um eixo chamado hipotálamo-hipófise-gonadal, que envolve as glândulas produtoras e os respectivos hormônios (GNRH, LH, FSH mais estrógeno e progesterona), em uma produção coordenada que regula o ciclo reprodutivo.
Já nos anos 2000, conforme se foram estudando as conexões neuronais, percebeu-se, por exemplo, que o neurônio que produz GNRH (hormônio liberador de gonadotrofina) não expressa, ou seja, não tem um receptor de estrógeno, considerado o hormônio modulador do eixo. Mas sabe-se que é o estrógeno que induz a liberação de GNRH. “Então, onde o estrógeno estaria agindo? Foram pesquisar e descobriram uma população de neurônios chamada Kiss1 (sintetizam proteínas chamadas kisspeptinas) que percebem a flutuação de estrógenos no organismo e ajudam a regular a liberação do GNRH”, explica Tabata Bohlen, doutora pelo ICB e primeira autora do estudo.
Deste modo, ficou claro que “ainda era preciso descobrir muita coisa sobre as diferentes populações de neurônios que fazem a regulação deste eixo clássico” – no que este estudo dá uma importante contribuição.
“Os mecanismos da puberdade são muito complexos. Por isso nosso grupo acaba separando os estudos por alguns hormônios que estão relacionados. Mas o objetivo geral é entender os mecanismos neurais que controlam a reprodução” diz, Tabata Bohlen, que integra a equipe liderada pela professora Renata Frazão.
“Nosso grupo está interessado em entender a importância da modulação do sistema nervoso em processos relacionados à reprodução. Quais as vias neurais que modulam a fertilidade, por exemplo, entre outros processos”, diz Renata Frazão, ao ressaltar que até muito recentemente se acreditava que as ações do hormônio do crescimento eram apenas periféricas, isto é, diretamente em órgãos e glândulas.
“Estudos de 2017 do nosso grupo mostraram que há uma sinalização muito importante do GH no sistema nervoso central. Se falharem estes componentes centrais, todo desenvolvimento da puberdade e fertilidade falham também. Em estudo publicado na revista Brain Research, demonstramos que neurônios essenciais no controle do eixo HHG são diretamente responsivos ao GH. Desta forma, este trabalho recente visava investigar se a sinalização do GH era necessária para que a puberdade ocorresse nas fêmeas”.
A conclusão é que a falta da sinalização no sistema nervoso central não é requisito para que a puberdade aconteça, porém alguns parâmetros relacionados são afetados: “por exemplo, a falta da sinalização de GH modula negativamente a expressão de alguns genes essenciais para a reprodução”, afirma Renata Frazão.