Um relatório divulgado no dia 05 de março pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) aponta queda média de 12% nas doações e transplantes de órgãos em 2020 devido à pandemia de covid-19. [1] A taxa de doadores efetivos no Brasil, que era de 18,1 por milhão de habitantes em 2019, caiu para 15,8 por milhão de habitantes, mesmo patamar de julho de 2017.
Os números variaram conforme os estados. As exceções foram o Paraná (PR), que fechou o ano com o melhor índice do país, 41,5 doações por milhão de habitantes; seguido de Santa Catarina (SC), com 39,4 doações por milhão de habitantes; São Paulo com 23,8 doações por milhão de habitantes; e o Ceará com 21,1 doações por milhão de habitantes.
A coordenadora da Central de Transplantes do Paraná, Dra. Arlene Badoch, resumiu em uma palavra o sucesso de 2020: planejamento. Em 2010, o estado tinha 6,8 doadores por milhão de habitantes, e em 2018 já tinha uma taxa de 47,7 doadores por milhão de habitantes – o maior índice do Brasil.
“Nesses mais de 10 anos, focamos no treinamento das Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos e Transplantes (CIHDOTT) para dar condições a profissionais de atuarem ativamente na identificação de potenciais doadores e realizarem de modo humanizado o acolhimento e a entrevista familiar para a doação dos órgãos”, descreveu. “Além disso, investimos em parcerias com a sociedade organizada para divulgar a campanha permanente Fale sobre Isso, visto que sem doação não há transplante”, enfatizou.
A Dra. Arlene ressaltou ainda que esses resultados são reflexo do apoio da Secretaria Estadual de Saúde para implantar cinco Organizações de Procura de Órgãos (OPO) junto às 61 CIHDOTT. O estado conta com equipes de intensivistas disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, para auxiliar os profissionais dos hospitais notificantes a seguirem o protocolo de morte encefálica e de manutenção hemodinâmica do potencial doador. Também dispõe de nove veículos para transporte terrestre e aeronaves de asa fixa e rotativa de todos os órgãos públicos do estado. Além disso, há um setor pós-transplante para monitorar a sobrevida dos pacientes e a qualidade dos serviços transplantadores.
“Lógico que tivemos impacto com a covid-19 em 2020. Se não, teríamos 50 doadores por milhão de habitantes. Perdemos mais de 100 possíveis doadores em função da pandemia. Nossas equipes foram reduzidas, muitas enfermeiras que trabalham no processo de doação tiveram que cobrir outras áreas”, disse a Dra. Arlene. No Paraná, os hospitais transplantadores têm enfermeiros contratados para atuar exclusivamente na área de transplantes, e essas equipes foram mantidas. Segundo a médica, o processo não foi interrompido porque os que ficaram se desdobraram.
Santa Catarina vem revezando a liderança da doação de órgãos no Brasil, tendo ocupado o primeiro lugar em 2006, 2007 e 2008, depois entre 2011 e 2017, e novamente em 2019. De acordo com Dr. Joel Andrade, coordenador da Central de Transplantes do estado, não tem segredo: “Desde março de 2020, fizemos um esforço para que as doações não caíssem. Caíram pouco: em 2019 tivemos 47,4 doadores por milhão de habitantes e fechamos 2020 com 39,4 doadores por milhão de habitantes. Nos transplantes, a queda foi maior, porque alguns serviços se retraíram.”
O Dr. Joel explicou que Santa Catarina foi o segundo estado, depois do Ceará, a implantar o teste por transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR, sigla do inglês, Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction) para rastreamento da covid-19 nos potenciais doadores. A Central tem um esquema preferencial no Laboratório Central (Lacen/SC) para a realização dos testes, garantindo rapidez de resultados.
Para o Dr. Joel, a razão do sucesso é a rede de coordenadores dos 53 hospitais doadores de Santa Catarina. Outro ponto importante foi flexibilizar a recomendação do Ministério da Saúde de fazer o teste de covid-19 nas 24 horas antes da retirada dos órgãos.
“Se restringíssemos muito o tempo, teríamos perdido quase todos os doadores, porque a logística de transporte das amostras em Santa Catarina é complexa. Em 2020, nenhum paciente transplantado foi contaminado por covid-19 em razão de transplante no estado”, destacou.
A Central de Santa Catarina não recusa doadores usuários de drogas ou com outros comportamentos de risco, desde que os exames comprovem que o órgão está saudável. “Há lugares em que estes doadores são recusados sem sequer submetê-los a testes de morte encefálica, comprometendo o aproveitamento. Temos um cuidado máximo, e três médicos experientes de plantão para avaliar cada caso todos os dias. São decisões com risco, mas seguras em relação ao que é aceitável na Europa e nos Estados Unidos”, [2] esclareceu. Ele observou que há estudos para dimensionar os riscos/benefícios de transplantes em relação à covid-19 em casos específicos, como de pacientes em fila de espera por um rim. [3]
O Dr. Joel disse também que durante a pandemia foi aprimorada a comunicação com as famílias de potenciais doadores, realizando os contatos em ambientes seguros. “Nenhuma família é tratada com desleixo, elas precisam sentir solidariedade”, reiterou o médico.
Referências:
- Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado (2013-2020). Disponível em https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2021/03/rbt_2020_populacao-1-1.pdf Acesso em: 16 mar.2021
- The “PHS Increased Risk” Label Is Associated With Nonutilization of Hundreds of Organs per Year. Disponível em: https://journals.lww.com/transplantjournal/Fulltext/2017/07000/The__PHS_Increased_Risk__Label_Is_Associated_With.27.aspx e Changing the paradigm of organ utilization from PHS increased ‐ risk donors: an opportunity whose time has come? Disponível em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/ctr.12582 Acesso em: 16 mar 2021
- New Answers to Old Questions: Waitlist Versus Transplant Outcomes in the Coronavirus Disease 2019 Era. Disponível em https://www.kireports.org/article/S2468-0249(20)31770-8/fulltext Acesso em: 16 mar 2021
Com informações de Clarinha Glock – O desafio de manter doações e transplantes de órgãos na pandemia – Medscape