Um novo estudo, liderado pela Universidade Goethe de Frankfurt, na Alemanha, traz novas percepções de como as células cancerígenas podem “enganar” e escapar do sistema imunológico, levando ao desenvolvimento de tumores. O trabalho foi publicado na revista científica Cell no fim de outubro.
O sistema imunológico é capaz de reconhecer se uma célula foi infectada por um vírus ou sofreu uma mutação que pode torná-la perigosa e cancerígena. Isso acontece com ajuda de moléculas presentes no interior das células chamadas MHC-I, que funcionam como “antenas”.Essas moléculas indicam pedaços de proteínas que representam o que está acontecendo dentro da célula para o sistema imunológico. Elas se formam dentro da célula e são levadas até a membrana celular, que é a camada externa que envolve a célula. Lá, elas ficam posicionadas de modo que os pedaços de proteína podem ser detectados pelas células de defesa do corpo.
Quando as células de defesa detectam pedaços de proteína que podem ser perigosos — com indícios de infecção ou de mutação –, elas destroem essa célula alterada para proteger o corpo. Porém, para que isso funcione adequadamente, as moléculas MHC-I precisam estar funcionais; caso contrário, há o risco de que esse mecanismo não funcione e as células perigosas escapem do sistema imunológico.
“Agora descobrimos um sensor dentro da célula que garante que apenas moléculas MHC-I funcionais sejam transportadas para a membrana plasmática, enquanto as unidades defeituosas são eliminadas”, explica Lina Herhaus, em comunicado à imprensa. Ela lidera um grupo de pesquisa independente no Centro Helmholtz de Pesquisa de Infecções, sediado em Braunschweig, na Alemanha.
As proteínas são produzidas pelas células para cumprir suas diversas funções. Quando acontece algum erro na produção dessas proteínas, elas são descartadas. Esse processo é feito por meio de receptores especializados que detectam as proteínas defeituosas e as enviam para uma série de “minissacos de lixo”, onde são quebradas e destruídas.
“Como parte do nosso estudo, buscamos receptores ainda desconhecidos e encontramos uma proteína chamada IRGQ, que é especificamente responsável por garantir o controle de qualidade dos mastros MHC-I”, diz Herhaus.
A partir disso, os pesquisadores usaram interferência genética para suprimir a produção de IRGQ. Isso fez com que as moléculas defeituosas se acumulassem nas células, alguns dos quais também foram incorporados à membrana da célula, com moléculas funcionais.
“Você realmente esperaria que células sem IRGQ desencadeassem uma resposta imunológica mais fraca. No entanto, esse obviamente não é o caso: tendo analisado vários tumores humanos, descobrimos que menos IRGQ estava associado a uma melhor taxa de sobrevivência de pacientes com câncer de fígado”, explica Ivan Đikić, professor do Instituto de Bioquímica II e colíder do estudo.
Os mesmos resultados obtidos com os pacientes foram confirmados em um estudo feito com camundongos com câncer de fígado: em animais sem IRGQ, o sistema imunológico atacou as células tumorais de forma mais agressiva. Consequentemente, os roedores sem essa molécula sobreviveram ao câncer por mais tempo, segundo os pesquisadores.
Na visão dos cientistas, o IRGQ pode representar uma estrutura alvo para novos medicamentos, a princípio, para câncer de fígado.
“Descobrimos um novo mecanismo pelo qual as células tumorais escapam do sistema imunológico. Em estudos posteriores, examinaremos agora a influência do IRGQ em outros tipos de câncer”, enfatiza Đikić. “Nossas descobertas podem ser usadas no futuro para desenvolver novas terapias para câncer de fígado. Um exemplo seria usar medicamentos para direcionar o IRGQ para degradação e, assim, estimular a resposta imunológica contra o câncer.”
O mecanismo recém-descoberto também é empolgante para a pesquisa básica. “Queremos descobrir o quão importante o IRGQ é para o funcionamento do sistema imunológico em geral, incluindo durante infecções virais”, diz Herhaus. “Os resultados do nosso estudo levantam uma série de questões interessantes, cujas respostas podem aprofundar nossa compreensão da defesa imunológica do corpo.”
Matéria – Gabriela Maraccini, da CNN