Um sistema de pontuação baseado em 10 parâmetros de um hemograma completo com diferencial, até três dias após atendimento inicial no hospital, prediz quais pacientes de covid-19 têm maior probabilidade de evoluir com doença grave, segundo novas evidências.
As vantagens incluem o prognóstico baseado em uma mensuração clínica comum e barata, bem como a geração automática da pontuação junto com os resultados do hemograma completo, disseram os autores do estudo observacional conduzido em 11 hospitais europeus.
“A covid-19 vem com alterações específicas nas células sanguíneas circulantes que podem ser detectadas por um exame de sangue de rotina, especialmente quando ele também é capaz de reconhecer células imunológicas ativadas e células imaturas circulantes, como eritroblastos e granulócitos imaturos”, disse ao Medscape o autor sênior, Dr. Andre van der Ven, Ph.D., médico especialista em doenças infecciosas e professor de saúde internacional no Radboud university medical center for Infectious Diseases (RCI), na Holanda.
Além disso, o Dr. Andre disse, “essas alterações específicas também são vistas no curso inicial da covid-19, sendo mais acentuadas naqueles que desenvolverão doença grave do que naqueles com doença leve”.
O estudo foi publicado on-line em 21 de dezembro no periódico eLife.
O estudo é “quase instintivamente correto. É basicamente o que os médicos fazem informalmente com o hemograma completo (…) ao olhar para uma combinação de resultados para ter uma noção do todo do que os pacientes estão passando”, disse o Dr. Samuel Reichberg, Ph.D., diretor médico associado do Northwell Health Core Laboratory, nos Estados Unidos, ao ser solicitado a comentar o estudo para o Medscape.
“Isso é algo que estava pedindo para ser feito para covid-19. Estou surpreso que ninguém o tenha feito antes”, acrescentou.
Dr. Andre e colaboradores criaram um algoritmo baseado em 1.587 hemogramas completos de 923 adultos. Eles também validaram o sistema de pontuação em uma segunda coorte com 217 mensurações de hemogramas de 202 pessoas. Os resultados foram concordantes: a pontuação previu a necessidade de cuidados intensivos em 14 dias, com acurácia de 70,5% na coorte de desenvolvimento e de 72% no grupo de validação.
O sistema de pontuação foi superior a qualquer um dos 10 parâmetros isolados. Ao longo de 14 dias, a maioria dos pacientes classificados como não críticos (NC) nos três primeiros dias permaneceu clinicamente estável, enquanto o grupo “doença crítica” progrediu. A gravidade clínica atingiu o pico no sexto dia.
A maioria das pesquisas anteriores sobre o prognóstico da covid-19 foi geograficamente limitada, apresentando um alto risco de viés e/ou não houve validação dos resultados, disseram Dr. Andre e colaboradores.
O objetivo da pontuação é “auxiliar na estratificação objetiva do risco para apoiar decisão terapêutica desde o início e, assim, facilitar intervenções oportunas, como necessidade de internação na unidade de terapia intensiva (UTI) ou não, antes que os sintomas de doença grave se tornem clinicamente evidentes, com a intenção de melhorar os desfechos dos pacientes e não de prever a morte”, explicaram os pesquisadores.
Dr. Andre e colaboradores estabeleceram a pontuação com base em adultos que buscaram atendimento de 21 de fevereiro a 06 de abril, cujos desfechos foram acompanhados até 09 de junho. A média de idade dos 982 pacientes foi de 71 anos e aproximadamente dois terços eram homens. Eles usaram um analisador hemocitométrico Sysmex Europe GmbH XN-1000 (Hamburgo, Alemanha) para o estudo.
Apenas 7% dos pacientes desta coorte não foram hospitalizados; 74% foram internados em enfermaria geral e os 19% restantes foram transferidos diretamente para a UTI.
Os pesquisadores relataram diferenças significativas ao longo do tempo na proporção de neutrófilos para linfócitos entre a doença crítica e os grupos não críticos (P < 0,001), por exemplo. Eles também encontraram diferenças significativas nos níveis de hemoglobina entre as coortes após o quinto dia.
O sistema gera uma pontuação de 0 a 28. A sensibilidade para predizer corretamente a necessidade de cuidados intensivos aumentou de 62% no primeiro dia para 93% no sexto dia.
Uma avaliação de risco mais objetiva
O estudo demonstrou que a infecção por SARS-CoV-2 é caracterizada por alterações hemocitométricas ao longo do tempo. Essas alterações, refletidas em conjunto na pontuação prognóstica, podem auxiliar na identificação precoce de pacientes cujo curso clínico tem maior probabilidade de deteriorar com o tempo.
Os achados também apoiam outro trabalho, que mostrou que os homens são mais propensos a buscar atendimento hospitalar para a covid-19, e que a idade avançada e a presença de comorbidades aumentam o risco geral. “No entanto”, disseram os pesquisadores, “nem todos os pacientes jovens tiveram um curso leve e nem todos os pacientes idosos com comorbidades ficaram críticos”.
O Dr. Samuel considerou o conceito de combinação de parâmetros do hemograma em uma pontuação “muito valioso”. No entanto, ele acrescentou que a incorporação de um índice na prática clínica “tem sido historicamente complicada”.
Os resultados “provavelmente terão que ser replicados”, disse o Dr. Samuel.
Ele acrescentou que é provável que uma pontuação baseada no hemograma seja combinada com outras mensurações. “Gostaria de ver um índice que combinasse todos os testes que fazemos para covid-19, incluindo o hemograma completo”.
O Dr. Andre compartilhou o próximo passo de sua pesquisa. “O algoritmo deve ser instalado nos analisadores de hematologia de modo que a pontuação prognóstica seja gerada automaticamente quando um hemograma completo for solicitado para um paciente de covid-19”, disse ele. “Portanto, a implementação da pontuação é o foco principal agora.”
O Dr. Andre informou como potencial conflito de interesses um contrato de consultoria ad hoc com a Sysmex Europe GmbH. A Sysmex Europe forneceu os reagentes usados no estudo gratuitamente; não houve participação de nenhum outro apoiador. O Dr. Samuel informou não ter conflitos de interesses relevantes.
Com informações de Damian McNamara – Pontuação baseada no hemograma pode predizer a gravidade da covid-19 – Medscape