Nos bastidores da ciência, silenciosamente, laboratórios realizam exames, pesquisas e descobertas que impactam milhões de vidas. Mas, junto com cada amostra analisada, cada teste realizado, há um resíduo gerado, que se não for bem gerenciado, pode representar um sério risco à saúde pública, ao meio ambiente e à credibilidade das instituições.
O gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde (RSS) vai muito além da separação básica de lixo. Envolve uma rede complexa de normas sanitárias, boas práticas e responsabilidades que, infelizmente, ainda são negligenciadas em muitos espaços. É preciso reconhecer que o destino dos resíduos não é um detalhe, mas uma parte essencial do cuidado, da ética e da biossegurança.
O que realmente está sendo descartado?
Os RSS gerados nos laboratórios não são homogêneos. Segundo a RDC 222/2018 da Anvisa, eles são classificados em grupos que exigem tratamentos distintos. O Grupo A, materiais contaminados com agentes biológicos; o Grupo B, resíduos químicos como solventes e reagentes; o Grupo C, materiais radioativos; o Grupo D, resíduos comuns não perigosos; e o Grupo E, os perfurocortantes. Ignorar essas classificações é como fechar os olhos para o perigo.
Imagine que um tubo contaminado com sangue seja descartado como lixo comum, o risco de contaminação para os coletores e o impacto ambiental dessa ação são incalculáveis. E infelizmente, situações como essa ainda são mais comuns do que se imagina.
Como citado acima os resíduos gerados em laboratórios e demais serviços de saúde, os RSS, são classificados pela Anvisa em cinco grupos, cada um com regras específicas de manejo, acondicionamento e descarte. O Grupo A: compreende materiais com risco biológico, como curativos, gazes e itens contaminados com sangue ou fluidos, devendo ser acondicionados em sacos brancos leitosos com símbolo de risco biológico. O Grupo B: inclui resíduos químicos perigosos, como medicamentos vencidos, reagentes, desinfetantes entre outros. Eles devem ser armazenados em recipientes rígidos, identificados e encaminhados a empresas licenciadas para tratamento especializado. Já o Grupo C: reúne rejeitos radioativos, como os oriundos da medicina nuclear, que precisam ser manipulados sob normas da CNEN, com armazenagem segura até o decaimento da radiação e destinação controlada. O Grupo D: corresponde aos resíduos comuns, sem risco biológico, como papel, embalagens e restos de alimentos, que podem seguir a coleta urbana convencional ou reciclagem. Por fim, o Grupo E: é composto por materiais perfurocortantes, como agulhas e lâminas, que devem ser descartados imediatamente após o uso em coletores rígidos e resistentes, evitando acidentes e contaminações. O correto gerenciamento desses resíduos é fundamental para proteger a saúde pública, os profissionais envolvidos e o meio ambiente.
O que diz a legislação?
A RDC 222/2018 da Anvisa estabelece diretrizes claras para o gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde. Já a NR 32 do Ministério do Trabalho reforça as obrigações para a proteção dos trabalhadores em ambientes com exposição a diferentes riscos. Ainda há o respaldo das Resoluções CONAMA 275/2001 (sobre coleta seletiva) e 358/2005 (que trata especificamente dos resíduos de serviços de saúde), mostrando que a legislação é robusta, o problema está na aplicação.
É dever dos gestores e profissionais da saúde conhecerem e aplicarem essas normas. Não se trata apenas de evitar multas ou interdições, mas de agir com ética e responsabilidade.
Desafios reais, soluções possíveis!
Muitos laboratórios ainda enfrentam dificuldades práticas: ausência de treinamentos regulares, descarte inadequado de materiais perfurocortantes, despreparo para armazenar produtos químicos ou biológicos corretamente, e até falta de parceria com empresas autorizadas para coleta e tratamento. Mas existem caminhos viáveis:
- Implantar e manter um PGRSS(Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde);
- Promover treinamentos regulares com a equipe;
- Utilizar EPIs e EPCs adequados;
- Ter protocolos claros e acessíveis para cada tipo de resíduo;
- Estabelecer um fluxo de coleta com empresas licenciadas.
Compromisso com o futuro
Cada tubo, placa ou seringa descartado de forma consciente representa mais do que uma ação técnica: é um compromisso com a vida. É a prática da biossegurança em sua essência: prevenir, proteger e preservar. O gerenciamento adequado de resíduos laboratoriais exige esforço, sim, mas também é uma poderosa ferramenta de valorização institucional, fortalecendo a imagem de responsabilidade social e ambiental.
Se queremos um futuro onde ciência e saúde caminhem lado a lado com sustentabilidade e ética, o cuidado com os resíduos e demais cuidados de biossegurança devem deixar de ser coadjuvantes e assumir seus papéis de protagonistas.
AUTORES:

Jorge Luiz Silva Araújo-Filho (@dr.biossegurança): Biólogo, mestre em patologia, doutor em biotecnologia; palestrante e consultor em biossegurança.
drbiosseguranca@gmail.com

Jamylle Macias Siqueira de Barros
Acadêmica de Medicina, Uninassau

Renata Rocha Tavares
Acadêmica de Medicina, Uninassau

Caio Gomes Leite
Acadêmico de Medicina, Uninassau


