A terapia com células T com receptor de antígeno quimérico (CAR) foi aclamada como um grande avanço e um fator decisivo, mas o custo do medicamento redefiniu o significado de caro.
No entanto, novos dados do “mundo real” indicam que a terapia com células T CAR pode realmente ser custo-efetiva, devido à redução de outras despesas relacionadas com a doença.
Os novos dados mostram que, quando administrada em uma população de idosos com linfoma não Hodgkin, a terapia com células T CAR reduz os gastos em comparação com os custos antes de receber o tratamento.
“A terapia T CAR foi associada a menos hospitalizações, menos tempo de permanência no hospital, menos entradas no pronto-socorro e menos custo total”, disse o primeiro autor do estudo, Dr. Karl M. Kilgore, da Avalere Health, nos Estados Unidos.
Ele apresentou os achados em 07 de dezembro de 2019, na reunião anual da American Society of Hematology ( Abstract 793).
As terapias com células T CAR foram aprovadas nos Estados Unidos em 2017. Primeiro foi o tisagenlecleucel, para o tratamento de pacientes pediátricos e adultos jovens com leucemia linfoblástica aguda, com o preço de 475.000,00 dólares. Logo em seguida foi o axicabtageno ciloleucel, indicado para pacientes adultos com linfoma não Hodgkin de células B agressivo, recidivado e/ou refratário, e que não sejam elegíveis para transplante autólogo de células-tronco, por 373.000,00 dólares.
Os preços exorbitantes causaram um choque na comunidade de portadores de câncer hematológico, que vem lutando para incorporar o novo tratamento em função das notáveis respostas observadas.
Experiência prática
No estudo em tela, Dr. Karl e colaboradores avaliaram as características demográficas e clínicas de pacientes do Medicare que receberam terapia T CAR (axicabtageno ciloleucel ou tisagenlecleucel) e compararam a utilização e os custos dos cuidados de saúde, e os desfechos antes e depois da terapia T CAR.
“O objetivo deste estudo foi analisar na prática o uso da terapia com células T CAR e dados do mundo real sobre essas terapias”, disse o Dr. Karl. Além de “olhar para os gastos em saúde.”
Os dados foram obtidos por meio de informações dos segurados pelos Centers for Medicare & Medicaid Services 100% Medicare Fee-for-Service Part A and B, e os pacientes eram incluídos no estudo caso tivessem sido diagnosticados com linfoma e recebido terapia T CAR entre 1º de outubro de 2017 e 30 de setembro de 2018.
No total, 177 pacientes preencheram todos os critérios e foram incluídos na análise.
A média de idade foi de 70 anos, mais da metade (58,8%) eram homens brancos (87,6%). Quase todos os pacientes (91,5%) tinham linfoma difuso de células B grandes (LDCBG) como diagnóstico primário, além de múltiplas comorbidades; 74,6% tinham índice de comorbidade de Charlson ≥ 3. Menos de 5% dos pacientes tinham feito transplante autólogo de células-tronco, e 51% tinham uma ou mais comorbidades que os tornaram inelegíveis para participar de ensaios clínicos com T CAR (por exemplo, insuficiência renal, insuficiência cardíaca, história recente de TVP/EP).
Pouco mais da metade dos participantes (52%) haviam feito quimioterapia intravenosa nos seis meses anteriores à terapia com células T CAR; e 60% fizeram linfodepleção ambulatorial.
Durante o episódio índice de tratamento para infusão da T CAR, os pacientes passaram uma mediana de 16 dias (intervalo interquartil = 10) no hospital, e 45,5% precisaram ir para a unidade de terapia intensiva após a infusão. Nos seis meses anteriores à terapia com células T CAR (pré-índice), 51,2% tinham sido internados pelo menos uma vez, e quase 20% haviam tido três ou mais períodos de internação. Deste grupo, 27,1% foram readmitidos no período pós-índice.
Entre os pacientes que foram hospitalizados, o tempo médio de permanência no pré-índice foi de sete dias; e de cinco dias no pós-índice. O número de entradas no pronto-socorro também foi menor no período pré vs. pós-índice (29,9% vs. 15,8%).
“O tempo de permanência no hospital foi 17% menor seis meses após a terapia com células T CAR do que antes”, disse ele.
Embora não tenham ocorrido mortes durante o período pós-índice, uma pequena porcentagem (< 5%) entrou em cuidados paliativos. Não está claro se algum paciente recebeu quimioterapia durante o período pós-índice (de 100 dias), o que indicaria progressão da doença; no entanto, os autores explicaram que as informações do seguro sobre o período estudado de alguns pacientes poderiam ainda não ter sido recebidas.
O Dr. Karl destacou que a metade dos pacientes apresentou uma ou mais doenças crônicas que, em alguns casos, poderia tê-los excluído dos ensaios clínicos, “mas 73% estavam vivos ao final do sexto mês”, disse ele. “Temos dados que vão até 21 meses, e mais de 50% ainda estão vivos quase dois anos depois”.
Quanto ao custo, a mediana do custo total do cuidado em saúde durante o período pré-índice foi de 51.999,00 dólares (média de 58.820,00 dólares; desvio padrão, DP, de 45.701 dólares) e de 14.014,00 dólares pós-índice (média de 23.738,00 dólares; DP = 29.698 dólares). Isso pode ser extrapolado para 9.749,00 dólares pré vs. 7.121,00 dólares pós-índice para cada paciente por mês, o que representa uma redução de 27% nos gastos.
O Dr. Karl explicou que os montantes totais pagos pela T CAR de todas as fontes (Medicare e paciente) variaram significativamente, pois dependeram se os pacientes haviam sido tratados em um ensaio clínico e se o hospital foi reembolsado sob o sistema de pagamento prospectivo padrão (PPS) do Medicare para hospitais ou através do sistema de pagamento fora do PPS.
Sobrevivência impressionante
Em seus comentários sobre o estudo, a Dra. Sarah Rutherford, médica hematologista da Weill Cornell Medicine and New York-Presbyterian, nos Estados Unidos, acredita que a principal conclusão deste estudo é que a maioria dos participantes – mais velhos e mais doentes do que os participantes de ensaios clínicos com células T CAR – foram muito bem.
“O linfoma difuso de células B grandes é uma doença que geralmente leva ao óbito rapidamente se for refratário a várias linhas de terapia; portanto, a sobrevida em seis meses de 75% nessa população de pacientes é impressionante”, disse ela. “Uma grande proporção desses pacientes provavelmente teria morrido, se não tivessem recebido terapia com células T CAR.”
A Dra. Sarah disse que os autores do estudo analisaram os custos dos cuidados aos pacientes pré e pós T CAR, e constataram que os custos foram menores após a terapia com células T CAR, neste subconjunto de pacientes do Medicare, em comparação com os custos anteriores à terapia.
“Eu acho que o uso de células T CAR é certamente justificado, devido à falta de terapias eficazes em pacientes com LDCBG recidivante e refratário, e este estudo indica que também pode haver um benefício financeiro, embora os custos reais associados à terapia com células T CAR não tenham sido incluídos na análise”, disse ela.
Também avaliando o estudo, o Dr. James Essell, médico, da US Oncology Network, destacou que a terapia com células T CAR está mudando o paradigma de tratamento. Por exemplo, o linfoma refratário está associado com uma expectativa de vida de cerca de seis meses.
“Mas, com os dados mais recentes, estamos vendo cerca de 50% dos pacientes ainda vivos aos três anos após a terapia com células T CAR e estamos pensando que isso equivalerá a cura”, disse ele.
Dr. James explicou que, no passado, o cenário seria de seis meses de quimioterapia, recaída, outra quimioterapia, recaída e, depois a T CAR, mas vários ensaios clínicos estão tentando usar a T CAR já na primeira recaída. “Em vez de esperar que façam um transplante, que custará pelo menos 100.000,00 dólares, os pacientes serão randomizados para fazer o transplante autólogo ou a T CAR diretamente”, disse ele.
“Também estamos fazendo ensaios clínicos para pacientes que não são candidatos a um transplante autólogo”, continuou o Dr. James. “Eles vão direto para a terapia T CAR, e isso realmente aumentará a taxa de cura, porque são pessoas que não eram elegíveis para nenhuma terapia curativa – e agora estão tendo uma chance.”
A expansão do uso de células T CAR para outras populações dependerá dos desfechos dos estudos randomizados que estão em andamento agora, acrescentou.
“Essa é nossa hipótese no momento, mas ela está sendo estudada para uma ampla gama de cânceres hematológicos e, além disso, há muita pesquisa em tumores sólidos”, disse o Dr. James. “Eu não acho que você veria essa quantidade enorme de pesquisa e dólares sendo investidos, se as pessoas não acreditassem que é um fator decisivo.”
Dr. Karl M. Kilgore informou receber financiamento para pesquisa da Kite Pharma. Vários dos outros coautores informaram ter relações com a indústria, que estão descritas no Abstract. Dr. James Essell informou não ter conflitos de interesses relevantes.
Reunião anual de 2019 da American Society of Hematology: Abstract 793. Apresentado em 09 de dezembro de 2019.
Com informações de Medscape.