Um ensaio clínico para testar quatro fármacos contra o Ebola terminou antes do previsto, após dados preliminares indicarem maiores taxas de sobrevida com dois dos medicamentos, anunciou o National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) norte-americano no dia 12 de agosto.
“Não vamos mais dizer que a doença causada pelo vírus Ebola não tem cura”, disse o Dr. Jean-Jacques Muyembe-Tamfum, Ph.D., disse o médico e diretor-geral do Institut National de Recherche Biomédicale (INRB), na República Democrática do Congo, durante uma teleconferência. O INRB está copatrocinando e ajudando a supervisionar o ensaio.
“No futuro, este avanço irá ajudar a salvar milhares de vidas que antes teriam tido um desfecho fatal.”
O ensaio randomizado aberto Pamoja Tulinde Maisha(ClinicalTrials.gov:NCT03719586) comparou a eficácia e segurança de quatro medicamentos: ZMapp, remdesivir, mAb114 e Regeneron EB-3 (REGN-EB3) para o tratamento da doença causada pelo vírus Ebola em duas províncias do Congo desde novembro de 2018. O medicamento com o anticorpo monoclonal ZMapp, que já havia demonstrado desfechos superiores aos do tratamento de suporte isolado, foi considerado como controle. O antiviral análogo de nucleotídeo remdesivir e os anticorpos monoclonais mAb114 e REGN-EB3 ainda não tinham sido usados para tratar a doença causada pelo vírus Ebola, explicou o médico e diretor do NIAID, Dr. Anthony Fauci, na teleconferência.
Uma análise preliminar dos dados de 499 participantes do estudo revelou que os pacientes tratados com REGN-EB3 ou mAb114 tinham mais probabilidade de sobreviver do que aqueles que receberam uma das outras duas intervenções. A mortalidade global foi de 29% com REGN-EB3 e de 34% com mAb114, em comparação com uma taxa de mortalidade de 49% com ZMapp e uma taxa de 53% com remdesivir (P = 0,002), disse o Dr. Anthony.
“Se você olhar para um paciente com baixa carga viral, ou seja, alguém que buscou atendimento rapidamente – o que reforça a necessidade do tratamento precoce – os resultados são ainda mais impressionantes”, continuou ele, embora tenha advertido que os dados ainda são preliminares. As taxas de mortalidade com carga viral baixa foram de 6% para o REGN-EB3, 11% para o mAb114, 24% para o ZMapp e 33% para o remdesivir.
Com base nos dados parciais, o painel independente de monitoramento de dados e de segurança recomendou o encerramento antecipado do estudo, com uma fase de extensão, na qual todos os futuros pacientes seriam aleatoriamente designados para receber o REGN-EB3 ou o mAb114. Aqueles que tomaram ZMapp ou remdesivir nos 10 dias anteriores também poderiam optar por receber um dos outros dois medicamentos.
“Quando você olha para a diferença entre o REGN-EB3 e o mAb114, ela é pequena o suficiente para o painel independente de monitoramento de dados e de segurança decidir que seria apropriado prosseguir com os dois, uma vez que os dados são preliminares e muito semelhantes, embora também esteja claro que foi o produto REGN-EB3 o desencadeador do término do estudo”, disse o Dr. Anthony.
A análise final dos dados do ensaio está sendo aguardada para setembro ou início de outubro.
Até o anúncio do encerramento do estudo, todos os outros centros de tratamento de Ebola na região usavam o protocolo de uso compassivo, mas agora estes centros passarão a usar o REGN-EB3 ou o mAb114, disse o Dr. Michael J. Ryan, médico e diretor-executivo do Health Emergencies Programme da OMS, durante a teleconferência.
“Assim, todos os pacientes terão acesso às mesmas intervenções terapêuticas, independentemente de o seu centro estar envolvido no estudo controlado e randomizado ou não”, disse ele.
O Dr. Anthony disse que restam aproximadamente 300 doses de mAb114 no momento, e que o segundo e o terceiro lotes estão em produção, com o segundo esperado para o início de setembro. Várias centenas de cursos de tratamento REGN-EB3 também estão disponíveis atualmente, e o fabricante está “comprometido a disponibilizar o REGN-EB3 para todos os pacientes que precisarem” e “acreditam ter quantidade suficiente para continuar fornecendo o medicamento ininterruptamente aos pacientes durante o surto atual”, disse o Dr. Anthony.
Não foi tomada nenhuma decisão em relação à oferta ou ao teste dos dois medicamentos como um tratamento combinado, disse ele, mas isso é teoricamente possível após pesquisas pré-clínicas adicionais.
Até 09 de agosto os pesquisadores incluíram 681 dos 725 pacientes provenientes das províncias de Kivu do Norte e Ituri, onde o surto de Ebola aumentou para 2.753 casos desde agosto de 2018, de acordo com a mais recente atualização do European Centre for Disease Prevention and Control(ECDC). A Alliance for International Medical Action, os International Medical Corps e os Médicos Sem Fronteiras estão supervisionando os quatro centros de tratamento do Ebola que participam do estudo nas cidades de Beni, Katwa, Butembo e Mangina.
O protocolo do estudo recomendava que pacientes de qualquer idade com infecção por Ebola recebessem um dos quatro medicamentos:
- ZMapp intravenoso durante quatro horas, administrado três vezes com três dias de intervalo
- Remdesivir intravenoso durante uma hora, administrado diariamente durante 10 dias
- Dose única de mAb114 intravenoso durante 30 a 60 minutos
- REGN-EB3 intravenoso durante duas horas, dose única
Todos os pacientes receberam cuidados de suporte, como a reposição de líquidos, por pelo menos uma semana enquanto estavam internados em isolamento. O desfecho primário foi a mortalidade no 28º dia. Os desfechos secundários foram o tempo até a primeira RT-PCR negativo para vírus Ebola no sangue, viremia e incidência de eventos adversos graves.
O atual surto de Ebola é o maior de todos no Congo e o segundo maior do mundo, com 1.749 mortes confirmadas, incluindo as de 41 profissionais de saúde. Entre os obstáculos ao controle de doenças está uma alta densidade demográfica “e uma extensa crise humanitária e de segurança” em uma região com “atividades de controle e prevenção insuficientes em muitos dos serviços de saúde e de persistente relutância da comunidade em aceitar as atividades de resposta à doença causada pelo vírus Ebola”, relatou o ECDC.
“Existem histórias de sucesso aqui, mas também há tragédia associada ao sucesso. A tragédia é que poucas pessoas estão sendo tratadas”, disse o Dr. Michael durante a teleconferência. A mediana de tempo desde o início dos sintomas até a admissão em um centro de tratamento de Ebola era de cinco a seis dias e melhorou para cerca de quatro dias, disse ele.
“Ainda vemos muitas pessoas mantendo distância das unidades de tratamento de Ebola, muitas pessoas deixando de vir ao hospital ou não sendo encontradas a tempo de se beneficiarem destes tratamentos”, disse o Dr. Michael.
As pessoas que recebem tratamento imediato se saem bem, mas as que recebem diagnóstico tardio têm desfechos muito ruins. “Fazer com que as pessoas tenham acesso ao tratamento mais rapidamente é absolutamente vital tanto para conter a epidemia como para aumentar a taxa de sobrevida das pessoas expostas ou infectadas.” Ele disse que estão sendo criadas estratégias para comunicar estas descobertas recentes à população e para incorporá-las na resposta ao surto do vírus Ebola.
O estudo está sendo financiado pelo Institut National de Recherche Biomédicale e pelo National Institute of Allergy and Infectious Diseases norte-americano com o apoio da Organização Mundial da Saúde e da MappBio, Gilead, Regeneron e Ridgeback Biotherapeutics. As informações sobre os conflitos de interesses dos pesquisadores não estavam disponíveis.