O Brasil vive uma epidemia de Aids, e em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, os números de novos casos estão acima da média nacional. [1] Uma das estratégias que comprovou ter bons resultados para conter o avanço da infecção por HIV é a Profilaxia Pré-Exposição Sexual (PrEP), [2] que consiste no uso diário da combinação de dois antirretrovirais (tenofovir e emtricitabina) para impedir que o vírus do HIV infecte o organismo.
O uso de antirretrovirais para a prevenção já mostrou resultados no estado de São Paulo, onde desde 2015 o aumento do acesso ao teste e ao tratamento contribuiu para reduzir em 11,7% o número de novos casos de infecção por HIV entre 2017 e 2018, e espera-se uma redução maior para os próximos três anos devido à oferta de PrEP.
Segundo Alexandre Grangeiro, pesquisador científico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), com 20% da população de risco utilizando a PrEP, o resultado é imediato.
O desafio é enfrentar os estigmas e investir em prevenção, diagnóstico e tratamento, disse a Dra. Maria Letícia Rodrigues Ikeda, médica sanitarista da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
“O preservativo ainda é o principal meio de prevenção, mas como a queda dos índices está aquém do esperado, temos de aplicar de forma mais agressiva toda a tecnologia disponível e fazê-la chegar às pessoas”, defendeu.
Ela lembrou que o Rio Grande do Sul foi o último estado a adotar o teste rápido de HIV, e que, por motivos estruturais, apesar de estar disponível em 99% dos municípios, as pessoas ainda enfrentam barreiras para fazer o teste.
Cerca de 71% dos casos notificados no Rio Grande do Sul estão concentrados em 21 municípios, incluindo a Região Metropolitana, onde se observam vulnerabilidades e limitações no acesso à saúde e educação. A capital, Porto Alegre, apresenta 66 casos a cada 100.000 habitantes, o que representa o dobro do índice do estado e quatro vezes a taxa nacional.
O Dr. Breno Riegel Santos, infectologista e chefe do serviço de infectologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, destacou outra peculiaridade do Rio Grande do Sul: o subtipo C do vírus, identificado no final dos anos 80 em uma pesquisa com participação da instituição.
“É quase uma epidemia paralela”, afirmou. “O subtipo C é mais persistente e se mantém no trato genital feminino por mais tempo, o que, aparentemente, faz com que as mulheres transmitam o HIV com a mesma facilidade que os homens”, explicou.
O Hospital Nossa Senhora da Conceição é um dos 40 centros distribuídos por sete países que participam do estudo HPTN 083, que avalia os resultados da PrEP injetável entre homens homossexuais e mulheres transgênero sem infecção. A pesquisa, que começou em 2017 e vai durar cinco anos, visa comparar se uma injeção de cabotegravir a cada oito semanas é segura e tão eficaz na prevenção contra o HIV quanto a medicação oral atualmente usada na PrEP.[3]
Especialista em Saúde Coletiva, Alexandre coordena o Projeto Combina, realizado pela Faculdade de Medicina da USP em conjunto com seis serviços de saúde do país. O projeto avalia como as pessoas usam os métodos de prevenção ao HIV. [4]Segundo o pesquisador, existe resistência de alguns médicos quanto ao uso de antirretrovirais: “Há lugares em que os médicos demoram seis meses para começar a tratar, porque ficam esperando o resultado de exames de contagem de células T CD4+ ou de carga viral antes de indicar o uso de antirretrovirais. Especialmente se for um paciente assintomático, não é preciso esperar o resultado dos exames para iniciar o uso de medicamentos. Está comprovado que os pacientes com carga viral indetectável não transmitem o vírus. Essa condição é normalmente alcançada após seis meses de tratamento”, afirmou.
Em janeiro de 2020, o Projeto Combina começou a testar a PrEp à distância, na qual três das quatro avaliações anuais são realizadas por formulários e exames enviados pela internet. O objetivo é desafogar os serviços de saúde e facilitar o acesso de usuários. Outra avaliação em andamento no Projeto Combina é a PrEP sob demanda para pessoas que não usam profilaxia diariamente, apenas quando vão ter relações sexuais.
Com informações de Medscape (PrEP é estratégia para conter avanço da Aids no Brasil – Medscape – 11 de março de 2020.)