Mesmo com dados completos ainda não disponibilizados ao público, eficácia da vacina anunciada pelo Instituto Butantan deixa pesquisadores envolvidos otimistas. Vacina preveniu 100% dos óbitos e casos graves e 78% dos casos que precisariam de assistência médica.
A vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, apresentou eficácia de 78% para prevenir casos relativamente leves, mas que precisam de algum tipo de assistência médica, e 100% para prevenir casos graves, que demandam internação, assim como óbitos.
O anúncio dos resultados da fase 3 de dos testes clínicos realizados no Brasil foi feito nesta quinta-feira (7) durante coletiva de imprensa no Instituto Butantan.
Nas etapas anteriores, os cientistas já haviam concluído que a Coronavac era segura e eficaz em produzir imunidade. A fase 3 foi realizada para saber se o imunizante, de fato, impedia que uma pessoa ficasse doente.
“A vacina neste momento vem para diminuir a carga de doença, a gravidade destes casos. Para impedir que as pessoas, uma vez infectadas pelo coronavírus, desenvolvam a forma mais grave da doença”, disse o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, durante a coletiva.
Com os resultados em mãos, o governo paulista e o Instituto Butantan devem solicitar o pedido de autorização para uso emergencial da vacina ainda hoje à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O pedido emergencial é feito por grupos, mas permite um uso mais rápido, disse Dimas Covas.
Já o pedido de registro definitivo no Brasil, segundo o diretor do Butantan, deve ser feito pela Sinovac, assim como o pedido de registro em outros países, conforme os dados todos forem consolidados. “A Sinovac recolhe os dados dos estudos e é ela que submete o pedido de registro, inicialmente à MNPA, que é a ‘Anvisa chinesa’, e também à Anvisa ”, disse.
Esper Kallás, infectologista e professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), comemorou os resultados, mesmo não tendo tido acesso à totalidade dos dados dos demais países. “A granularidade dos resultados é o que vai permitir uma análise mais completa de toda a vacina, inclusive para a gente entender melhor qual é a robustez. Mas a informação que tivemos dessa análise preliminar é que todos estes números atingem um intervalo de confiança significativo. O número de cada um, a gente ainda vai receber em breve, para podermos discutir”, disse.
Kallás também fez uma ressalva. “Devemos levar em consideração que a implantação de uma vacina leva tempo”, diz. “Essa notícia não dá salvo-conduto para a população achar que o problema está resolvido, porque não está. Temos que nos cuidar.”
Análise dos dados
Para o médico infectologista André Siqueira, pesquisador da Fiocruz que atuou como pesquisador principal do estudo da Coronavac no Rio de Janeiro, os resultados são positivos na prevenção de infecções que sobrecarregam os serviços de saúde, em especial infecções graves, de modo que podem ter um impacto relevante para saúde pública. “O quão impactante vai depender do número de doses disponibilizadas, da cobertura populacional nos diferentes Estados e da rapidez desta administração”, fatores que, destaca ele, não estão claros no plano de imunização divulgado pelo Ministério da Saúde.
Ele explica que a taxa de eficácia de 78% apresentada pelo Instituto Butantan foi calculada utilizando como desfecho principal um índice da OMS (ver tabela abaixo), mas considerando somente a pontuação maior ou igual a 3, comparando-se o grupo vacinado e o não vacinado. “Este score vai de 0, que é o assintomático, a 10, que é óbito; 2 é o paciente sintomático, mas independente; 3 é quando a pessoa é confirmada para infecção pelo coronavírus, sintomática, e tem necessidade de intervenção, mas perdeu de certa forma a independência do 2, que é paciente com sintoma leve.”
Já a taxa de 100% foi atingida considerando as formas graves, acima de 4, que precisam de internação. Ou seja, o que não entrou na conta, e que não foi apresentado pelo governo, foram o grupo 2, que é a infecção sintomática mas que não demanda cuidados médicos, e os assintomáticos, que ainda não foram contabilizados neste momento.
Como mais um ponto a favor da segurança do produto, André Siqueira ressalta que a taxa de eventos adversos nos grupos placebo e vacinados foram similares, e menores em ambos os grupos após a segunda dose.
Defensor das vacinas com acordo de produção no Brasil, o que inclui, além da Coronavac, a de Oxford-AstraZeneca, o médico epidemiologista da FMUSP Paulo Lotufo se mostra otimista. “O fato é que a Coronavac é eficaz. E infinitamente mais eficiente, considerando custo-efetividade, do que a da BioNTech-Pfizer”, exemplifica.
Voluntários
Diferentemente do que ocorreu na Turquia e na Indonésia, onde diferentes perfis de voluntários receberam a Coronavac, no Brasil somente os profissionais de saúde foram imunizados. “Era a população mais difícil, porque é a mais exposta e com maior risco de infecção”, explica Cristina Bonorino, imunologista e professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. “O número de casos em trabalhadores que atuam na linha de frente contra a covid é maior.” Participaram 12.476 pessoas em 16 centros clínicos localizados em oito Estados brasileiros.
A vacina da Sinovac é produzida com vírus inativado, incapaz de causar a doença. Quando introduzida no organismo, ativa o sistema imunológico para que ele reconheça aquele corpo estranho e produza anticorpos para se defender.
Os testes mostraram que serão necessárias duas doses da Coronavac – aplicadas em intervalos de 21 dias para garantir imunidade. Segundo o secretário de Estado da Saúde Jean Gorinchteyn, São Paulo já tem disponíveis 10,8 milhões de doses da vacina, e até a primeira quinzena de fevereiro chegarão mais 35 milhões. Dimas Covas anunciou que o Instituto Butantan tem capacidade para produzir 1 milhão de vacinas por dia.
O governador João Doria afirmou que a primeira fase da campanha de vacinação deve iniciar em 25 de janeiro deste ano. Profissionais de saúde, indígenas e quilombolas vão receber as primeiras doses.
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Com informações de Fabiana Mariz e Luiza Caires – Jornal da USP