Dra. Rachel Siqueira de Queiroz Simões1
1Fundação Oswaldo Cruz, Avenida Brasil, 4.036, Manguinhos, cep: 21040-361, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: rachelsqsimoes@gmail.com
Resumo
Diversos estágios evolutivos para a emergência de viroses zoonóticas e reemergência dessas enfermidades são um ponto crucial na interface do homem com distintas espécies. A introdução de um novo patógeno de uma espécie para outra sinaliza o grande potencial de transmissibilidade com elevada taxa de recombinação genômica e uma resposta rápida de adaptação no novo hospedeiro. Associado a esse contexto de transição entre a história das pandemias e as plataformas tecnológicas dos possíveis candidatos vacinais, em conjunto com inúmeras biofarmacêuticas na pesquisa mundial, descortinam antigas questões no âmbito da saúde pública. O cenário das pandemias perpassando pela praga de Justiniano, a peste negra do século XIV, a descoberta da variolização, a gripe russa, espanhola e a gripe suína são pandemias que deixaram legados históricos e apresentam semelhanças ao coronavírus, SARS, MERS e SARS-CoV-2.
Palavras-chave: coronavírus, pandemias, plataformas tecnológicas, SARS-CoV-2, vacinas.
Abstract
Several evolutionary stages for the emergence of zoonotic viruses and reemergence of these diseases are a crucial point in the interface between man and different species. The introduction of a new pathogen from one species to another signals the great potential for transmissibility with a high rate of genomic recombination and a rapid adaptation response in the new host. Associated with this context of transition between the history of pandemics and the technological platforms of possible vaccine candidates, together with numerous biopharmaceuticals in world research, they reveal old issues in the field of public health. The scenario of pandemics passing through the plague of Justinian, the black plague of the 14th century, the discovery of variolization, the Russian Flu, Spanish Flu and Swine Flu are pandemics that left historical legacies and show similarities to coronavirus, SARS, MERS and SARS-CoV-2.
Keywords: coronavirus, pandemics, technological platforms, SARS-CoV-2, vaccines.
Introdução
O termo imunidade de rebanho, do inglês herd immmunity e a preocupação de disponibilidade de vacinas que datam do século XVIII transitam historicamente sobre a saúde pública até os dias atuais. O desenvolvimento tradicional e acelerado das plataformas clássicas e de nova geração de vacinas contra o SARS-CoV-2 passando pelo escalonamento de doses, segurança e eficácia são tópicos que serão abordados no decorrer do artigo. O objetivo central é revisitar o passado das pandemias para uma analogia com a pandemia presente no que tange às novas variantes e as vacinas em desenvolvimento.
- A praga de Justiniano
Em 541-544 d.c surgiu no Egito uma enfermidade que um ano após o reinado do bizantino Justiniano chegou à capital do Império, Bizâncio (atual Istambul), o qual deu-se o nome de Praga de Justiniano. Responsável por assolar cerca de 5.000 a 10.000 vítimas por dia, o imperador Justiniano superou a doença e continuou governando por mais uma década. É surpreendente que cenas de uma pandemia de 1.500 anos atrás se repetem até os dias de hoje remetendo o cenário da pandemia do novo coronavírus com estratégias de autoconfinamento voluntário motivado pelas condições preventivas (Sanar, 2020).
- Peste Bubônica (séc XIV)
A Peste Bubônica, conhecida popularmente como Peste Negra, foi a primeira grande pandemia de que se tem conhecimento. Não há consenso quanto ao número de mortos, mas estima-se que aproximadamente um terço da população europeia foi dizimada pela peste em meados do século XIV. Entre os anos de 1343 a 1353 na Idade Média, mais de 50 milhões de pessoas foram acometidas na Europa, Ásia e Norte da África. Naquela época era comum os médicos utilizarem um tipo de máscara similar ao bico de tucano para se protegerem da transmissão e eram comumente chamados de médicos da peste. Os sintomas eram similares de uma gripe forte, com febre, calafrios e dores musculares, também apresentavam inchaço dos gânglios linfáticos, e manchas pretas ao redor da pele. A epidemia medieval foi causada por uma bactéria, a Yersinia pestis, transmitida por meio de pulgas que infestavam os ratos e outros roedores. No início do século XIX, a Peste reapareceu e dizimou entre 75 a 200 milhões de pessoas (Rodrigues, 2020).
O impacto nas melhorias de higiene e saneamento das cidades foi diretamente proporcional a diminuição populacional de ratos urbanos. E desse modo, acredita-se que a Peste Bubônica atingiu a curva descendente. A cidade de Veneza, na Itália foi considerada o Epicentro Europeu da Peste Bubônica. E a origem do termo “quarentena” parece ter sido herdado por inspiração bíblica pelo tempo de isolamento de 40 dias que Jesus Cristo passou na sua travessia pelo deserto. Além de ter sido documentado no Velho Testamento da Bíblia como tempo de isolamento para surtos de hanseníase na antiguidade. Outras linhas, acreditam que o termo quarentena foi originário da prática de restringir a circulação livre de pessoas, não apenas por isolar os doentes daqueles sãos como também impedir o desembarque de navios ao porto (Sanar, 2020).
- Gripe Espanhola (séc XX)
Com estimativa entre 17 e 100 milhões de mortos ao redor de todo o mundo, a Gripe Espanhola infectou 27% da população mundial e milhares de pessoas no Brasil. O vírus tinha procedência da Europa, e chegara no Brasil a bordo do navio Demerara, um transatlântico que desembarcou em setembro de 1918 passageiros infectados no Recife, Salvador e Rio de Janeiro (Rodrigues, 2020; Sanar, 2020).
No Brasil, mais de 35 mil pessoas infectadas vieram a óbito inclusive o próprio presidente da época Rodrigues Alves se infectou e faleceu em 1919, antes de assumir a presidência pela segunda vez. Sua notoriedade de figura histórica deve-se ao fato que Rodrigues Alves foi o governante que mais combateu as epidemias no Brasil. Esteve liderando o governo de São Paulo, enfrentou a varíola e a peste bubônica. Além disso fundou o Instituto Butantan, pioneiro do país em soros e vacinas com o médico Vital Brazil na linha de frente. O líder que esteve na Presidência da República entre os anos de 1902 a 1906, saneou o Rio de Janeiro, acabou com a Febre Amarela e instituiu a obrigatoriedade da vacina contra a varíola, o que deu origem à Revolta da Vacina em 1904 com cientista Oswaldo Cruz no comando do Instituto Soroterápico Federal, atual Fundação Oswaldo Cruz (Rodrigues, 2020; Sanar, 2020).
Com a falta de medicamentos para controlar a pandemia, anúncios de remédios milagrosos começaram a surgir desde a oferta a água tônica de quinino a balas à base de ervas, de purgantes a fórmulas com canela. A procura era tão grande que as farmácias se aproveitaram da situação e levaram os preços às alturas. A prefeitura da cidade do Rio de Janeiro reagiu tabelando o preço dos remédios. Em São Paulo, a população recorreu a um remédio caseiro de cachaça com limão e mel. E segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça acredita-se que esse episódio se deve ao surgimento da caipirinha. Em 1918, ainda em São Paulo, uma das peças de maior sucesso no teatro paulista chamou-se A Caipirinha (Rodrigues, 2020; Sanar, 2020).
Das marchinhas aos carros alegóricos, o tema da festa: o “chá da meia-noite” – que não bota medo em mais ninguém, foi tema do Carnaval de 1919 quando os cariocas caíram na folia em blocos de rua e bailes comemorando o fim da gripe espanhola. Curiosamente, houve a lenda do “chá da meia-noite” onde uma multidão morria todos os dias, e começava a correr a história de que a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para abrir novos leitos, acelerava a morte dos doentes em estado terminal. Isso se daria por meio de um chá envenenado administrado aos pacientes na calada da noite. Os jornais apelidaram o hospital de “Casa do Diabo” (Rodrigues, 2020; Sanar, 2020).
Um dos marcos históricos depois da Primeira Guerra Mundial foi a criação da Liga das Nações, com suas respectivas áreas sanitárias. Em 1902, houve o surgimento da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que foi um passo importante para fundar a Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948.
Assim a gripe espanhola deixou um legado histórico com o nascimento do Ministério da Saúde em 1930, antigo Ministério dos Negócios da Saúde e da Educação Pública, e o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição de 1988 (Rodrigues, 2020).
- Gripe Russa (séc XVI)
Em 1580 houve relatos da primeira pandemia de gripe, que se espalhou pela Ásia, Europa, África e América. Já em 1889, a Gripe Russa foi a primeira a ser documentada com proliferação inicial de duas semanas sobre o Império Russo, e chegando até a cidade do Rio de Janeiro aonde aproximadamente um milhão de pessoas morreram por conta de um subtipo de Influenza A (Sanar, 2020).
- Gripe Suína (séc XXI)
Foi denominada a primeira pandemia do século 21. O vírus Influenza – uma variação do vírus H1N1, documentado em 2009 no México foi identificado em suínos, e se espalhou rapidamente pelo mundo, matando mais de 18 mil pessoas. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em maio do mesmo ano e, no fim de junho de 2009, cerca de 627 pessoas já estavam infectadas. A gripe suína era transmitida a partir de gotículas respiratórias no ar e em superfícies contaminadas e apresentava sintomas equivalentes de gripe como febre, tosse, dor de garganta, calafrio e dor no corpo (Rodrigues, 2020).
- Varíola
O termo variolização é designado aos fluidos provenientes de lesões de pessoas doentes que eram inoculados em pessoas sadias para reduzir as chances de o indivíduo adquirir a forma grave e letal da varíola. Em 1774, o fazendeiro inglês Benjamin Jesty inoculou a esposa e filhas na tentativa de protegê-las. Entretanto, em 14 de maio de 1796 o fluido da ordenhadora Sarah Nelmes foi inoculado por Edward Jenner no braço do menino de 8 anos de idade chamado James Phipps. Dois anos mais tarde, em 1798, a descoberta foi publicada e houve resistência da comunidade médica alegando que a população se tornaria híbrido homem e parte bovino. Assim, Louis Pasteur propôs o termo “vacina” oriundo da palavra vacca e por esse feito, no século XVIII o médico inglês Edward Jenner ficou conhecido como o Pai da Vacinologia.
A varíola é uma das doenças mais antigas descrita por mais de 3 mil anos atrás. Relatos descrevem que o faraó egípcio Ramsés II morreu vítima do vírus juntamente com cerca de 300 milhões de pessoas acometidas desde 1796 até 1980 com a campanha de vacinação em massa para erradicação da doença (Rodrigues, 2020).
- Coronavírus: SARS-CoV e MERS-CoV
Epidemias recentes datam de 2002/2003 quando foram identificados os primeiros casos de infecção da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) na China acometendo 650 indivíduos levando ao óbito. O SARS-CoV é um vírus recombinante que circulou em civetas (Paguna larvata) e adaptou-se em humanos. Em 2003, o SARS-CoV surgiu a partir de recombinações entre o coronavírus de morcegos do gênero Phinolopus sendo o hospedeiro natural da transmissão viral.
Em 2012 foi identificada pela primeira vez na Arábia Saudita a Síndrome Respiratória do Oriente Médio, do inglês Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus – MERS-CoV. A partir de morcegos, o vírus se adaptou a dromedários e passou a infectar humanos ocasionando mais de 800 mortes no Oriente Médio (Barth & Simões, 2019).
- Novo coronavírus: SARS-CoV-2
8.1.Taxonomia e Filogenia
De acordo com Coronaviridae study group do comitê internacional de taxionomia viral, o coronavírus está classificado no reino Riboviria, ordem Nidovirales, subordem Cornidovirineae com duas subfamílias, Letovirinae e Orthocoronavirinae pertencentes à família Coronaviridae, presentes em quatro gêneros e 24 subgêneros que acometem diversas espécies.
Os membros da subfamília Orhthocoronavirinae infectam mamíferos, aves e peixes pertencentes a quatro gêneros: Alphacoronavirus (feline infectious peritonitis virus – FIPV, Rhinolophus bat coronavirus – HKU2) e Betacoronavirus (SARS-CoV cepas GD02 da fase inicial da infecção em humanos e SZ3 originário de civetas, SARS-CoV cepa hTor02 de humanos durante as fases moderada e tardia da infecção viral, morcego SARS-associado coronavírus (SARSr-CoV) cepa WIV1, MERS-CoV e vírus da hepatite de camundongo (MHV) que acometem os mamíferos, e os gêneros Gammacoronavirus (vírus da bronquite infecciosa (IBV) e Deltacoronavirus (bulbul coronavirus HKU11) que acometem as aves (Simões, 2020;, 2020).
Os primeiros isolados de sequências virais da árvore filogenética de máxima verossimilhança analisadas pelo Nextstrain (https://nextstrain.org/ncov) demonstra que o primeiro registro do novo coronavírus teve origem em Wuhan, província da China especificamente no mercado de peixes e mariscos, local do foco da epidemia (Sironi et al., 2020).
Existem diversos estágios evolutivos para a emergência das viroses zoonóticas e propagação entre a interface do homem com espécies diferentes. O grande potencial de transmissibilidade, a rápida adaptação em novos hospedeiros, a alta taxa de mutação gênica, a elevada taxa de recombinação e o tamanho do genoma são alguns dos fatores que caracterizam o fenômeno conhecido como spillover do SARS-CoV-2, traduzido como “derramamento” ou “salto” com a introdução de um novo vírus de uma espécie para se adaptar em outra espécie hospedeira (Rodriguez-Morales et al., 2020; Nunez et al., 2020).
- Biossíntese viral
Os coronavírus são partículas esféricas de 100 a 160 nm de diâmetro. O genoma é um RNA de fita simples polaridade positiva (ssRNA +) com envelope viral aonde 2/3 do seu genoma estão situados na primeira região aberta de leitura, do inglês open reading frame ORF1a/b, responsável por codificar 16 proteínas não estruturais (NSPs) e 1/3 do RNA viral é responsável por codificar quatro proteínas (S, E, M, N). A entrada do vírus ocorre principalmente mediante a glicoproteína S (Spike) que se liga aos receptores da célula hospedeira através da enzima conversora de angiotensina- 2 (ACE-2).
O SARS-CoV utiliza duas enzimas presentes em algumas de nossas células, a serina-protease transmembranar 2 (TMPRSS2), do inglês Transmembrane Serine Protease 2, e catepsinas. Já o vírus SARS-CoV-2 utiliza além dessas enzimas, mais uma outra enzima chamada furina, presente em grande quantidade em células humanas. O conjunto dessas três enzimas age como tesouras genéticas que cortam a proteína da espícula para sua ativação e início do ataque viral com a fusão da membrana viral com a membrana celular (Simões, 2020) e cerca de 12 nucleotídeos extras do genoma viral geram uma nova região de corte para a furina. Assim essa enzima faz um primeiro corte na região spike dos novos vírus que saem das células humanas pré-ativadas facilitando nova invasão viral. Esse primeiro corte permite que a spike interaja com outra enzima, a TMPRSS2 e ocorra a fusão da célula infectada com outra célula sadia justificando sua alta transmissibilidade e virulência (Pohlmann, 2020).
A estrutura tridimensional da proteína spike no genoma de SARS-CoV-2 tem sido detectada por modelagem computacional usando técnicas de microscopia crioeletrônica. Em simulações de dinâmica molecular, docking por computador do SARS-CoV-2 tem sido utilizado para a descoberta de novos fármacos baseado na estrutura viral (Yan et al., 2020; Simões et al., 2020).
- Mutação e recombinação genética
Novas mutações na proteína spike do vírus tem alarmado as entidades e preocupado as biofarmacêuticas quanto a eficácia das vacinas aprovadas para uso emergencial, a seguir: variante do Amazonas (BR): (P1) B.1.1.28 (K417N/E484K/N501Y), variante do Reino Unido (UK): B.1.1.7 (N501Y – o aminoácido asparagina N foi substituído por tirosina Y na posição 501 da proteína S do vírus), variante da África do Sul (ZA): B.1.351 (501Y.V2) e E484K (no 4840 aminoácido da proteína S houve a substituição do glutamato E por lisina K), variantes com mutações em ambas UK/AZ além de mutações de variantes de humano para animais (Garry et al., 2021). Um dos genes altamente variáveis nos coronavírus é a região ORF 8 e acredita-se que esse gene evolui por meio de recombinação modular. Sabe-se que a recombinação gênica ocorre no início e no final da ORF 8, onde as sequências de ácido nucleico são idênticas entre as sequencias analisadas (SARS-CoV e o grupo B batCoVs) (Li et al., 2020).
- Plataformas tecnológicas e vacinas
Diversas plataformas tecnológicas estão sendo utilizadas para o desenvolvimento de possíveis candidatos vacinais. Dentre elas destacam-se as vacinas de primeira geração (inativadas e atenuadas), as vacinas de segunda geração caracterizadas pelos vetores virais replicantes e não replicantes, as vacinas de sub-unidades proteicas e as vacinas semelhantes a vírus, do inglês virus-like particles – VLP, e as vacinas de terceira geração desenvolvidas em plataformas de ácidos nucleicos, DNA e RNA (Van Riel & Wit, 2020).
As vacinas de primeira geração incluem diversas vacinas inativadas que estão sendo desenvolvidas por distintas empresas farmacêuticas como Beijing Institute of Biological Products em parceria com Wuhan Institute of Biological Products, Sinovac, Sinopharm e Bharat Biotech (Gao et al., 2020).
As vacinas de segunda geração incluem a plataforma tecnológica de adenovírus humano tipo 5 como um vetor viral não replicante desenvolvido pela CanSino Biological e Beijing Institute of Biotechnology. A segurança, taxa de tolerância e imunogenicidade da vacina recombinante quanto ao escalonamento de doses, rótulo aberto, estudo não-randomizado e triagem clínica em humanos têm sido continuamente investigadas (Zhu et al, 2020).
Estudos preliminares dos ensaios clínicos randomizados foram realizados em outra vacina AZD1222 utilizando adenovírus de chimpanzé (ChAdOx1 nCoV-19), um vetor viral não replicante, desenvolvido pela University of Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca (Folegatti et al., 2020). A empresa Jansen Pharmaceutical Companies of Johnson & Johnson também desenvolveu a vacina JNJ-78436735 que se encontra na fase III do ensaio clínico.
Ensaios clínicos com a plataforma tecnológica de adenovírus de chimpanzé (ChAd) utilizando vetores contra o vírus do HIV, influenza, hepatite C e Ebola foram bem toleradas em humanos e apresentaram boa imunogenicidade (Van Doremalen et al., 2021). Os ensaios experimentais em animais de laboratório da vacina testada para MERS (ChAdOx1 MERS) gerou imunidade protetora em macacos rhesus (Van Doremalen et al., 2021), anticorpos neutralizantes e reposta imune celular em camundongos (Alharbi et al., 2017), além de induzir respostas de células T e anticorpos em humanos (Folegatti et al., 2020). A eficácia e segurança da vacina AZD1222 foi analisada por quatro ensaios clínicos randomizados no Brasil, África do Sul e Reino Unido (Voysey et al., 2021).
O primeiro ensaio clínico com vacina de nanopartícula recombinante da proteína spike foi desenvolvida pela Novavax demonstrando segurança e poucos efeitos adversos, quando administrada em duas doses com um intervalo de 14 dias. Seus resultados com anticorpos neutralizantes foram muito encorajadores com títulos mais altos mesmo com a dose mais baixa produzida pelo fabricante (Keech et al., 2020). Outras biofarmacêuticas com vacinas de proteínas de subunidade envolvem Clover Biopharmaceuticals, Dinavax Innovation Immunology em parceria com GSK. Além do Instituto Alemão Max-Planck-Gesellschaft e Serum Institute of India.
Um outro exemplo de vacina da segunda geração é a vacina russa Sputinik V desenvolvida pelo Instituto da Gamaleya National Center of Epidemiology and Microbiology que utiliza uma estratégia de adenovírus humano capaz de contornar o problema na segunda dose, ao usar diferentes vetores virais, pois a composição antigênica do adenovírus 26 é distinta daquela do adenovírus 5.
As vacinas de terceira geração incluem a plataforma tecnológica de DNA e RNA. A vacina de plasmídeo de DNA com eletroporação foi desenvolvida pela biofarmacêutica Inovio Pharmaceuticals enquanto o candidato vacinal mRNA (BNT162b1) foi desenvolvido pela BioNTech e testada sua eficácia em adultos com 18 a 55 anos de idade (Mulligan et al., 2020). Além da candidata vacinal mRNA da Empresa Moderna, que demonstrou a capacidade de indução de anticorpos anti-spike e níveis detectáveis de anticorpos neutralizantes após a segunda dose. Os efeitos colaterais locais e sistêmicos foram maiores após a segunda dose, porém, aceitáveis nas doses mais baixas utilizadas (Jackson et al., 2020). Outras biofarmacêuticas como a Genexine, Glaxo Smith Kline (GSK) e Curevac também estão se unindo para o desenvolvimento de novas vacinas de ácido nucleico.
Na plataforma de nova geração encontram-se as vacinas de células apresentadoras de antígenos em fase de ensaios clínicos 1 e 2 como por exemplo LV-SMENP – DC e COVID-19/aAPC (do inglês, artificial antigen-presenting cell) modifificadas com vetor lentiviral expressando minigenes sintéticos, ambas ainda não estão licenciadas para uso em humanos (Thanh Le et al., 2020). Essas células dendríticas e macrófagos são capazes de disparar uma cascata de sinalização que culmina na expressão de genes pró-inflamatórios e estimulam os linfócitos T CD4+, linfócitos T CD8+ e células Natural Killer (NK) que reconhecem o vírus através de receptores do reconhecimento padrão (PRR), do inglês Pattern Recognition Receptor. Um dos principais tipos de PRR são os receptores TLRs, Toll like receptors, que reconhecem diferentes padrões moleculares associados à vírus chamados de PAMPs, do inglês Pathogen Associated Molecular Pathern (Vabret et al., 2020).
Um ponto chave que merece ser destacado é o desenvolvimento de vacinas contra o SARS-CoV-2 em instituições nacionais utilizando plataformas tecnológicas de nova geração como o RNA replicante, vacina proteica recombinante e vacina sintética em ensaios de fase pré-clínica.
Considerações Finais
Desde a antiguidade, o desenvolvimento das vacinas de forma empírica e atualmente com comprovação científica remetem ao uso dos animais de laboratório nas pesquisas em seus ensaios pré-clínicos e suas sucessivas etapas com grupos controles e experimentais. A corrida biotecnológica para o avanço de novas técnicas possui um objetivo único – de prevenir e controlar a atual pandemia que assola a humanidade e reporta cronologicamente as condições sanitárias de épocas históricas. O conhecimento adquirido e aplicado evidencia a fusão de ideias na tentativa de alcançar a equidade vacinal no bem comum da saúde coletiva.
Referências
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