A crescente dependência das redes sociais e o diagnóstico crescente do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) têm suscitado preocupações no campo da neurociência sobre a diferenciação entre essas condições. Embora ambos os fenômenos compartilhem semelhanças no que diz respeito ao impacto na atenção, regulação emocional e comportamentos compulsivos, as diferenças neurobiológicas e funcionais são profundas e reveladoras. Este artigo busca distinguir entre o TDAH e o vício em redes sociais com base em mecanismos neuroquímicos e funcionais, destacando as regiões cerebrais e os neurotransmissores envolvidos.
TDAH: Um Panorama Neuroquímico e Funcional
O TDAH é amplamente associado a alterações na neurotransmissão de dopamina e norepinefrina, especificamente no córtex pré-frontal dorsolateral e nos núcleos da base, regiões críticas para a regulação da atenção e controle de impulsos. A disfunção dopaminérgica, caracterizada por uma produção e recaptação inadequadas, resulta em um estado de motivação e recompensa deficitário, refletido nos sintomas clássicos de desatenção e impulsividade. Além disso, a disfunção noradrenérgica contribui para a dificuldade em manter a vigilância e o foco sustentado (Jian-peng et al., 2019).
O papel da serotonina também é relevante, especialmente no que diz respeito à regulação do humor e comportamento alimentar, muitas vezes co-ocorrentes com o TDAH. Embora não haja evidências claras de alterações hormonais específicas no TDAH, os déficits na neurotransmissão de serotonina e dopamina são implicados na sintomatologia emocional e comportamental associada (Jian-peng et al., 2019).
Vício em Redes Sociais: Um Fenômeno Neuroadaptativo
Por outro lado, o vício em redes sociais representa um fenômeno de neuroadaptação às recompensas rápidas e frequentes proporcionadas por estas plataformas. Este comportamento está associado a um aumento na liberação de dopamina, similar aos processos observados em dependências químicas, o que reforça comportamentos compulsivos e a busca incessante por estímulos novos e recompensadores. As áreas mais afetadas incluem o córtex pré-frontal ventromedial e orbitofrontal, regiões críticas para a tomada de decisões e regulação emocional, além de uma ativação exacerbada do circuito de recompensa mesolímbico (Jian-peng et al., 2019).
A regulação do ciclo sono-vigília e o comportamento social também são significativamente impactados, devido à disfunção na neurotransmissão de serotonina e norepinefrina, que frequentemente leva a uma deterioração da qualidade do sono e aumento do estresse. A plasticidade sináptica modulada por glutamato e GABA no hipocampo e na amígdala contribui para o reforço das memórias associadas ao uso compulsivo de redes sociais, exacerbando o ciclo vicioso do vício (Jian-peng et al., 2019).
Comparação e Conclusão
Embora TDAH e o vício em redes sociais possam compartilhar sintomas como dificuldade de concentração e comportamentos impulsivos, existem diferenças significativas que os distinguem:
Origem: Transtorno do neurodesenvolvimento, geralmente presente desde a infância.
Sintomas principais: Desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Outras características: Dificuldade em manter a atenção em tarefas prolongadas, problemas com a memória de trabalho, tendência a esquecer objetos ou compromissos, e dificuldade em permanecer sentado ou em uma posição comportada. Em alguns casos, podem surgir queixas de cansaço ocular ou dificuldades visuais associadas à dificuldade em sustentar o foco em atividades que requerem atenção visual constante.
Impacto: Afeta o desempenho escolar/profissional, relacionamentos interpessoais e pode levar a baixa autoestima devido à dificuldade em cumprir demandas cotidianas.
Vício em Redes Sociais – Resumo
Origem: Fenômeno neuroadaptativo, desenvolvido pela exposição prolongada e recompensas imediatas das redes sociais.
Sintomas principais: Uso compulsivo de redes sociais, dificuldade em desconectar, e desfoque atencional.
Outras características: Problemas de visão mais frequentemente relacionados ao uso excessivo de telas, como fadiga ocular, secura e desconforto visual, além de atenção dividida entre múltiplas tarefas e modulação cerebral alterada que prioriza estímulos rápidos e recompensas imediatas, como vídeos curtos e altamente estimulantes.
Impacto: Pode causar isolamento social, prejuízo na qualidade do sono, e dificuldade em se concentrar em atividades menos estimulantes ou de longo prazo.
Principais diferenças:
Foco dos sintomas: No TDAH, a principal dificuldade está em manter a atenção sustentada em tarefas menos estimulantes e em controlar impulsos. No vício em redes sociais, a dificuldade é em desconectar e evitar o comportamento compulsivo, com uma atenção frequentemente dividida entre estímulos rápidos.
Problemas de visão: Embora não seja uma característica principal do TDAH, pessoas com o transtorno podem relatar cansaço ocular devido à dificuldade de manter o foco visual prolongado. No vício em redes sociais, os problemas de visão são mais relacionados ao uso prolongado de telas e exposição à luz azul.
Memória de trabalho: O TDAH afeta a memória de trabalho, dificultando a organização de tarefas e o seguimento de instruções. No vício em redes sociais, a modulação cerebral é adaptada para processar estímulos rápidos, o que pode reduzir a capacidade de foco em atividades que requerem maior concentração e tempo.
Modulação cerebral: No vício em redes sociais, o cérebro se adapta a recompensas rápidas, o que pode interferir na capacidade de focar em tarefas menos imediatas. No TDAH, a desregulação neuroquímica, principalmente relacionada à dopamina e norepinefrina, afeta a habilidade de manter o foco de forma mais ampla e constante.
Enquanto o TDAH resulta predominantemente de uma disfunção neuroquímica intrínseca envolvendo a dopamina e norepinefrina, levando a dificuldades em manter a atenção e impulsividade, o vício em redes sociais é um fenômeno neuroadaptativo que explora os mesmos sistemas de recompensa dopaminérgicos, porém induzido por fatores ambientais. Ambos os transtornos compartilham uma base neurobiológica que envolve a disfunção em regiões cerebrais críticas para a tomada de decisões e regulação emocional, mas diferem significativamente em suas origens e manifestações clínicas.
Entender essas diferenças é crucial para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas direcionadas e eficazes, que considerem as nuances de cada condição e abordem os mecanismos subjacentes de forma específica e personalizada.
Conclusão: Embora compartilhem algumas semelhanças neurobiológicas, TDAH e vício em redes sociais são distintos em suas origens e impactos no cérebro, exigindo abordagens terapêuticas diferenciadas para tratamento eficaz.
Referências
JIAN-PENG, Z.; et al. Research progress on quantum memory. Journal of Physics B: Atomic, Molecular and Optical Physics, v. 52, n. 20, p. 203001, 2019.
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