Pacientes com câncer, particularmente os com tumores sólidos, apresentaram uma resposta imune à covid-19 semelhante à observada em pessoas sem câncer, mas os pacientes com câncer hematológico tiveram respostas imunes mais discretas e altamente variáveis, e em geral demorararam mais para se livrar do vírus.
Os achados são de um pequeno estudo do Reino Unido publicado on-line em 04 de janeiro no periódico Cancer Cell como um artigo fast-track pré-impressão.
Os achados podem ter implicações para a vacinação contra a covid-19, disseram os pesquisadores, liderados pela Dra. Sheeba Irshad, Ph.D., médica e cientista do Cancer Research UK, baseada no King’s College London, no Reino Unido.
“Essas conclusões sugerem que muitos pacientes, apesar de receberem terapias imunossupressoras, responderão satisfatoriamente às vacinas contra a covid-19”, acrescentou ela.
Embora “os dados sugiram que os pacientes com câncer sólido provavelmente criarão uma resposta imune eficiente à vacina (…) o mesmo não pode ser dito para os com tumores hematológicos, especialmente aqueles com neoplasias de células B”, disse a Dra. Sheeba ao Medscape.
“Eles podem ser suscetíveis à infecção persistente, apesar do desenvolvimento de anticorpos, então o próximo estágio de nosso estudo se concentrará no monitoramento de sua resposta às vacinas.”
“No momento, a melhor maneira de protegê-los, juntamente com a vacinação, pode ser vacinar todos os profissionais de saúde e cuidadores, para obter imunidade de rebanho, e continuar a respeitar as medidas de saúde pública implementadas”, como usar máscara, praticar o distanciamento social e testar as pessoas assintomáticas, ela comentou.
Detalhes do estudo
Este estudo, conhecido como SARS-CoV-2 for Cancer Patients (SOAP), envolveu 76 pacientes com câncer; dentre os quais, 41 pacientes tiveram covid-19 e 35 serviram como controles (com história de câncer e sem covid-19).
O sangue periférico foi coletado de todos os pacientes; várias amostras foram coletadas a cada dois a quatro dias, quando possível.
Os grupos também foram semelhantes em termos de proporção de pacientes com doença em estágio IV, aqueles que receberam tratamento paliativo em vez de tratamento radical e aqueles que foram tratados dentro de quatro semanas após o recrutamento para o estudo.
Os resultados mostraram que 24,4% dos pacientes com câncer expostos à covid-19 permaneceram assintomáticos; 21,9% tiveram doença leve; 31,7%, doença moderada; e 21,9%, doença grave.
Os pacientes com câncer hematológico tiveram mais chance de apresentar dispneia do que aqueles com tumores sólidos, e 39% receberam corticosteroides/terapias antivirais que visavam especificamente a infecção por SARS-CoV-2.
A duração média da eliminação do vírus foi de 39 dias em toda a coorte. Foi notavelmente mais longo entre os pacientes com câncer hematológico, com uma mediana de 55 dias versus 29 dias para pacientes com tumores sólidos.
Dos 46 pacientes com sobrevida além de 30 dias e para os quais dados completos estavam disponíveis, a equipe descobriu que aqueles com covid-19 moderada ou grave tinham maior probabilidade de serem diagnosticados como progressão do câncer na avaliação seguinte, em comparação com os assintomáticos ou os pacientes controle.
Pacientes com tumor sólido com covid-19 moderada/grave tiveram linfopenia sustentada e aumento da proporção de neutrófilos/linfócitos até o 40º ao 49º dia de infecção, enquanto entre aqueles com infecção leve, os parâmetros sanguíneos clínicos estavam tipicamente na faixa normal.
Embora os perfis hematológicos gerais dos pacientes com câncer hematológico fossem semelhantes aos de pacientes com tumores sólidos, as trajetórias de covid-19 leve e moderado/grave se sobrepuseram, e houve um grande grau de heterogeneidade entre os pacientes.
A equipe também relatou que, entre os pacientes com tumores sólidos, todos os parâmetros retornaram aos valores próximos aos valores basais em quatro a seis semanas após os pacientes apresentarem testes negativos para covid-19 no swab de nasofaringe; por outro lado, muitos dos pacientes com câncer hematológico continuaram a apresentar desregulação imunológica.
Uma análise mais aprofundada revelou diferenças nas características imunológicas entre os pacientes com tumores sólidos que tinham infecção por SARS-CoV-2 ativa e os pacientes controle não infectados. Os primeiros apresentaram, por exemplo, aumento de interleucina (IL) 8, IL-6 e IL-10, IP-10.
Por outro lado, houve poucas diferenças entre pacientes com câncer hematológico infectados e não infectados.
Em ambas as coortes, aproximadamente 75% dos pacientes tinham anticorpos detectáveis contra SARS-CoV-2. Os anticorpos foram detectados por até 78 dias após a exposição ao vírus.
No entanto, os pacientes com tumores sólidos mostraram soroconversão mais precoce do que aqueles com câncer hematológico. Este último grupo apresentou respostas mais variadas à infecção, exibindo três fenótipos distintos:
- Falha em criar uma resposta imunológica, com disseminação viral prolongada, mesmo além do 50º dia após o primeiro swab positivo;
- resposta imunológica, mas falha em eliminar o vírus; e
- resposta imunológica e eliminação bem-sucedida do vírus.
A equipe observou que, em geral, os pacientes com câncer hematológico mostraram uma resposta ao SARS-CoV-2 menor nas fases ativas/iniciais da doença e que essa resposta aumentou com o tempo, tal como as alterações imunológicas normalmente observadas em infecções crônicas.
Este foi o caso especialmente entre pacientes com câncer que acometem as células B.
A equipe reconheceu que existem várias limitações do estudo, como o fato de a amostra ter sido pequena e a falta de poder estatístico para detectar diferenças entre, por exemplo, diferentes modalidades de tratamento.
“Uma questão importante que permanece sem resposta é se um sistema imunológico ‘reforçado’ após a imunoterapia resulta em uma sub/superativação da resposta imunológica” ao SARS-CoV-2, comentaram os pesquisadores. Eles destacaram que um paciente deste tipo apresentou boa resposta.
O estudo SOAP é financiado pelo King’s College London e pela Guy’s and St Thomas ‘Foundation NHS Trust. É financiado por subvenções de KCL Charity funds, MRC, Cancer Research UK, doações do programa Breast Cancer Now do King’s College London e por subvenções do Breast Cancer Now Toby Robin’s Research Centre do Institute of Cancer Research e do Wellcome Trust Investigator Award, e é apoiado pelo Cancer Research UK Cancer Immunotherapy Accelerator e pelo UK COVID-Immunology-Consortium. Os autores informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
Cancer Cell. Publicado on-line em 04 de janeiro de 2021.