Começa nesta terça-feira (24) o primeiro grande estudo brasileiro com pacientes afetados pela Covid-19 em estado grave para avaliar os resultados de protocolos de tratamento com hidroxicloroquina e azitromicina. O desenho da pesquisa, enviado à Comissão Nacional de Ensino e Pesquisa (Conep), na manhã do último domingo, foi aprovado na noite do mesmo dia pela Comissão Nacional de Ensino e Pesquisa (Conep) com uma agilidade jamais vista.
As pesquisas serão conduzidas por uma coalizão de instituições formada por Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), Hospital Sírio-Libanês (HSL), Hospital do Coração (HCor) e BRICnet, uma rede brasileira independente e colaborativa para a realização de estudos clínicos na área de medicina intensiva. O Ministério da Saúde será responsável pela logística de distribuição. A hidroxicloroquina usada na pesquisa será fornecida pelo laboratório EMS, que está comprando o sal para fabricação do remédio da Índia.
Os pesquisadores aguardam para os próximos dias a aprovação de um segundo estudo apenas com pacientes internados com sintomas moderados e que não necessitam de cuidados intensivos. A coalizão de pesquisa fará ainda um terceiro protocolo com o uso corticoides em pacientes muito graves em ventilação mecânica.
“Unimos nossos projetos e forças para fazer um estudo sério e robusto”, disse o Dr. Otavio Berwanger, diretor-executivo de pesquisa acadêmica do Hospital Albert Einstein, e coordenador da equipe de pesquisadores que trabalhou três semanas no desenho do conjunto de estudos.
A iniciativa tem o mérito de unir instituições renomadas que se dedicam ao atendimento, ensino e pesquisa em um grande esforço para trabalhar em um modelo inovador de estudo.
“Faremos um estudo adaptativo, desenhado para ser conclusivo a partir de um certo número de pacientes. Podemos tanto recrutar milhares de pacientes quanto remanejá-los de um braço para outro conforme as evidências obtidas”, explicou o Dr. Luiz Vicente Rizzo, superintendente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein.
“É o primeiro estudo desse tipo no Brasil.”
Ao todo, os dois ensaios clínicos foram inicialmente planejados para abranger 1.000 pacientes acima de 18 anos. Ainda sem acrônimo definido – isso estava sendo decidido entre os pesquisadores e o Ministério da Saúde na noite de segunda-feira (23) – o primeiro estudo envolverá 400 pacientes em estado grave distribuídos em dois grupos. Um deles receberá hidroxicloroquina associada à azitromicina.
“Existem pequenos trabalhos, nada robustos, mostrando que dados em associação, esses medicamentos podem potencializar um a ação do outro. Mas isso ainda é algo experimental. Esperamos obter essa resposta”, explicou o Dr. Otávio.
O segundo braço deste primeiro estudo tratará os pacientes apenas com hidroxicloroquina. Mas por que não há um braço sem a droga?
“Porque no paciente grave fica complicado não oferecer algum tratamento, apesar de não haver evidências definitivas. Os dados de que dispomos mostram que os benefícios suplantam em muito os riscos de dar hidroxicloroquina a pacientes em estado grave, mas isso ainda precisa ser comprovado”, explicou o pesquisador.
O segundo estudo será realizado com 600 pacientes internados, com sintomas moderados e em condições estáveis. Será dividido em três braços: um receberá hidroxicloroquina e azitromicina, outro apenas hidroxicloroquina, e um terceiro será tratado sem uso desses medicamentos. Nesses casos, poderão ser ministrados outros antivirais, oxigênio quando necessário e cuidados para eventuais doenças de base, como hipertensão, diabetes e outros quadros.
“Acredito que conseguiremos saber se pacientes com gravidade moderada precisam ou não de hidroxicloroquina com ou sem azitromicina”, disse o Dr. Otavio.
Além dos pacientes de três dos principais hospitais privados do país, o Dr. Luiz Vicente informou que o estudo incluirá pacientes das cem unidades de terapia intensiva reunidas pela Rede BRICnet.
“A maioria dessas UTIs é pública”, disse o pesquisador. Também são parte da pesquisa as UTIs de hospitais gerenciados pelas instituições da coalizão, como o Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch (M’Boi Mirim), administrado por meio de parceria entre o Einstein e a Prefeitura de São Paulo.
Até a noite de segunda-feira, os novos estudos brasileiros ainda não estavam listados na plataforma Clinicaltrials.gov, que reúne informações sobre as pesquisas em andamento no mundo em diversas áreas. Uma busca rápida no site mostrou sete ensaios recentes em andamento sobre questões associadas ao uso da hidroxicloroquina no combate àCovid-19. A informação sobre a pesquisa brasileira deverá constar em breve.
“Diversos trabalhos relacionados nessa plataforma são relatos e observações. Não há ainda muitos estudos bem desenhados e grandes como o nosso e que trarão respostas de verdade”, disse o Dr. Luiz Vicente Rizzo. Ele critica as informações sobre os efeitos da hidroxicloroquina divulgadas por médicos que não estão amparadas em estudos capazes de comprovar os achados.
“Onde estão os dados? Isso não contribui em nada em meio à situação gravíssima que estamos vivendo.”
Pesquisa a toque de caixa
Os primeiros resultados são esperados para daqui a algumas semanas, avaliam os pesquisadores.
“Nossa janela de confiança, com um mês, é de mais de 70%. Estamos calculando que em dois meses de estudo tenhamos não só resultados sobre efetividade, mas também efeitos colaterais, sobrevida e outras informações importantes”, avalia o Dr. Luiz Vicente.
Os pacientes que estão em tratamento com hidroxicloroquina e azitromicina no esquema off-label (indicação divergente da bula) não serão incluídos nos estudos do grupo.
“Off-label não tem o rigor que precisamos nesses estudos. Aliás, esse é o risco de não fazer pesquisa com protocolo”, resumiu o Dr. Luiz Vicente.
O objetivo dos dois estudos é responder, com dados consistentes, se os medicamentos funcionam ou não no tratamento da Covid-19 em pacientes graves e moderados.
“Quando se faz ciência a toque de caixa, como estamos fazendo, não é a ciência do porquê, mas do que funciona e do que não funciona. É o que nos resta fazer agora”, disse o Dr. Luiz Vicente.
“A sociedade precisa se conscientizar de que pesquisa deve ser algo contínuo, e não apenas solicitado em momentos de crise como o que estamos vivendo. Isso é de cortar o coração de um cientista”, lamentou o pesquisador.
Central de inteligência
Pressionada pelo desafio de dar respostas rápidas a uma pandemia em expansão, a coalizão de pesquisadores estabeleceu um Comitê Independente de Monitorização de Segurança. A função do grupo, formado por experientes pesquisadores brasileiros e estrangeiros, é aplicar metodologias para analisar periodicamente os dados.
“Caso notem que existe uma vantagem muito grande de um grupo sobre outro, ou se caso a resposta aparecer antes do previsto, podem interromper ou eventualmente modificar o estudo”, explicou o Dr. Otavio.
Além disso, como suporte aos pesquisadores, o HIAE montou uma espécie de central de inteligência com cinquenta profissionais com Ph.D. para ler tudo o que está sendo publicado em plataformas e periódicos científicos. Ao final do dia, o time de experts gera uma resenha critica sobre os progressos, as dificuldades e as especificidades de cada estudo.
“Iremos disponibilizar esse material em breve, provavelmente ainda esta semana, em uma área aberta do site do Einstein que é voltada para médicos”, disse o Dr. Luiz Vicente.
Com informações de Medscape, texto de Mônica Tarantino.