RESUMO
INTRODUÇÃO: A testosterona é o principal hormônio regulador das funções reprodutivas masculinas, participando diretamente da espermatogênese e do aumento da atividade sexual. A dosagem sanguínea desse hormônio é fundamental no diagnóstico de distúrbios neuroendócrinos, como o hipogonadismo. Entretanto, há pouca padronização no preparo adequado do paciente para a coleta do hormônio em laboratórios clínicos.
OBJETIVO: Avaliar o efeito de variáveis pré-analíticas, incluindo realização de jejum, variação circadiana e sazonal nas dosagens de testosterona em jovens saudáveis do sexo masculino.
MATERIAL E MÉTODOS: Foram selecionados 42 voluntários para o estudo, na cidade de Barbacena, Minas Gerais. Quatro amostras de sangue de cada um dos participantes foram coletadas, sendo três no inverno: a primeira de manhã, em jejum; a segunda à tarde, sem jejum; a terceira no dia seguinte, de manhã, sem jejum. A última foi coletada no verão, na parte da manhã, em jejum.
RESULTADOS: As análises demonstraram que houve diminuição significativa dos níveis de testosterona total quando não foi realizado jejum de 8 horas antes da coleta e no período da tarde em comparação ao período da manhã, ambos com valor de p < 0,001. Não houve diferença significativa nos resultados obtidos no inverno e no verão.
CONCLUSÃO: Recomendamos que os laboratórios clínicos padronizem a coleta de testosterona total com a realização do exame no período da manhã e em jejum de 8 horas, a fim de reduzir a variabilidade e garantir a confiabilidade nos resultados.
Palavras-chave: testosterona total; fatores pré-analíticos; jejum; ritmo circadiano; variação sazonal.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito de variáveis pré- -analíticas, como jejum ou não antes da coleta, influência do ritmo circadiano e impacto da variação sazonal nas dosagens de testosterona total em indivíduos jovens saudáveis do sexo masculino.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho experimental
Esse é um estudo prospectivo experimental para avaliar os efeitos pré-analíticos nas dosagens de testosterona total. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Barbacena sob o número de protocolo 3.059.834.
Amostra
O cálculo do tamanho da amostra demonstrou que uma amostra constituída por 30 indivíduos, em cada aferição, permitiria um nível de significância de 95% e um poder amostral de 97,2%. Cientes da possibilidade de perda de voluntários durante a pesquisa, aplicamos o fator de correção para garantir segurança ao poder amostral, justificando um número inicial maior de voluntários. Convidamos para a pesquisa 138 estudantes voluntários saudáveis do sexo masculino, com idade entre 20 e 30 anos; entre eles, 42 aceitaram participar. Portadores de doenças que afetam a produção e/ou metabolismo de testosterona, usuários de medicamentos que alteram a síntese desse hormônio e usuários de testosterona exógena e derivados ou quaisquer outros esteroides anabolizantes sintéticos no último ano foram excluídos do estudo. Dois voluntários atenderam a um ou mais critérios de exclusão, e a amostra foi composta por 40 indivíduos.
Coleta do material
A coleta das amostras foi realizada no Laboratório da Faculdade de Medicina de Barbacena, em Barbacena, Minas Gerais. Os voluntários realizaram quatro coletas de sangue: as três primeiras no inverno, a quarta no verão. A primeira coleta foi realizada no inverno, no período da manhã, entre 7 h e 8h30, com jejum prévio de 8 horas. Na tarde do mesmo dia, foi realizada a segunda coleta, entre 18 h e 19 h, após os voluntários terem se alimentado o dia todo. A terceira coleta foi feita no dia seguinte, pela manhã, entre 7 h e 8h30, sem jejum prévio de 8 horas. Por fim, a quarta coleta foi realizada no verão, aproximadamente seis meses após as primeiras coletas, no período da manhã, entre 7 h e 8h30, com jejum prévio de 8 horas.
Após as coletas, as amostras foram mantidas sob refrigeração entre 2°C e 8°C e, em seguida, transportadas até o Laboratório São José de Barbacena, responsável pela execução dos testes. A dosagem da testosterona total foi realizada por imunoensaio quimioluminescente quantitativo comercial no equipamento Access II®, Beckman Coulter®(11, 12).
Análise estatística
Os resultados obtidos foram transcritos para uma base de dados processada em software estatístico Minitab 17® para Windows®. Tabelas do tipo linhas por colunas foram produzidas com frequências absoluta e relativa, e foram calculadas as medidas de tendência central e de dispersão. Devido à distribuição não normal dos valores, foi utilizada a mediana das dosagens para cálculo das diferenças estatísticas, por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. Um valor de p < 0,01 foi considerado estatisticamente significativo.
RESULTADOS
A Tabela demonstra a distribuição dos valores obtidos de testosterona total em cada uma das coletas realizadas no estudo. Após a coleta inicial das três primeiras amostras, dois voluntários não compareceram à última coleta; portanto, a análise dos níveis de testosterona no verão foi conduzida com 38 indivíduos.
A comparação entre as amostras coletadas no período da manhã, com ou sem jejum prévio de 8 horas, demonstrou que a ausência do jejum levou a uma diminuição de 28% nos níveis medianos de testosterona total, com valor de p < 0,0001 (Figura 1).
FIGURA 1 – Distribuição dos valores medianos de testosterona total com os participantes da coleta realizando ou não jejum de 8 horas
O efeito do ritmo circadiano na dosagem de testosterona total foi determinado pela comparação entre os níveis medianos obtidos no período da manhã e aqueles encontrados no período da tarde. Verificou-se diminuição de 22% nos níveis da tarde em relação aos níveis da manhã, com valor de p = 0,0002 (Figura 2).
FIGURA 2 – Distribuição dos valores medianos de testosterona total no período da manhã e da tarde
Por fim, o efeito sazonal foi determinado pela comparação entre os níveis medianos de testosterona total das amostras obtidas no período da manhã, com jejum prévio, coletadas no inverno, e as coletadas no verão. Não houve diferença estatística entre os níveis médios dessas amostras, com valor de p = 0,151 (Figura 3).
FIGURA 3 – Distribuição dos valores medianos de testosterona total no período da manhã no inverno e no verão
DISCUSSÃO
A literatura médico-laboratorial apresenta inúmeros exemplos de alterações significativas nas dosagens laboratoriais devido a fatores pré-analíticos, sendo estes os principais fatores responsáveis por inadequações nos resultados laboratoriais(6). No presente estudo, demonstramos a influência significativa do jejum, antes da coleta, e do ritmo circadiano, na concentração sérica de testosterona total.
A determinação dos níveis séricos desse hormônio é fundamental para o diagnóstico do hipogonadismo em homens, e de acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia (SBEM) e a Sociedade Americana de Urologia (AUA) (Diretrizes da AUA – Avaliação e Gerenciamento da Deficiência de Testosterona) a testosterona total abaixo de 300 ng/dl é considerada um valor de corte razoável no diagnóstico desta condição. Para tanto, são recomendados dois valores abaixo desse ponto de corte, em duas medidas realizadas em ocasiões diferentes, ambas no início da manhã. Tal recomendação é corroborada pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML)(13).
Nosso estudo confirmou a necessidade absoluta de jejum de pelo menos 8 horas, antes da coleta, para padronizar a interpretação dos resultados, pois a sua não realização provocou uma queda de 28% nos níveis, em torno de 126 ng/dl em números absolutos, o suficiente para classificar erroneamente um indivíduo saudável como portador de hipogonadismo. Não foram encontrados materiais científicos que demonstrassem a influência do jejum em um curto período de tempo, como as 8 horas propostas pelo presente no estudo, como variável sobre os níveis de testosterona.
Um estudo elaborado por Rojdmark (1987)(14) relaciona a realização de jejum intermitente, de 48 horas, com a diminuição dos valores basais do hormônio. O autor sugere que essa alteração poderia decorrer da redução do hormônio GnRh e, consequentemente, da diminuição do LH, resultando em menor ativação das células de Leyding e menor produção de testosterona. A diferença fica evidente entre a avaliação proposta pelo referido autor e a proposta desse estudo. Todavia, entendemos que mais estudos são necessários para avaliar melhor os impactos do jejum sobre os níveis de testosterona.
Em relação ao período da manhã, os níveis de testosterona total foram confirmados como inferiores em cerca de 22%. Em números absolutos, a diferença de 98 ng/dl nas medianas obtidas também foi suficiente para classificar um indivíduo saudável com hipogonadismo. Essa variação circadiana havia sido descrita anteriormente(3, 8), sobretudo em homens jovens saudáveis(7, 10). Lac e Chamoux (2006)(15) demonstraram redução na concentração hormonal em 30%-40% no período da tarde em relação à manhã. Um único estudo, de Kirschner et al. (1965), não evidenciou variação circadiana nos níveis de testosterona, porém, possivelmente devido à pequena amostragem total (n = 8).
A influência da estação do ano nos níveis de testosterona total não foi encontrada neste estudo, não concordando com o que foi observado em outros estudos publicados anteriormente(16-20). Um estudo realizado em Topson, na Noruega, demonstrou uma relação inversa entre horas de luz solar e temperatura média mensal com o nível total de testosterona. Assim, níveis mais baixos são observados em meses de maiores temperaturas e maior exposição solar(21). Acreditamos que o principal fator que pode ter ocasionado essa discrepância de resultados reside no fato de a Noruega ser um país localizado no extremo norte do planeta, com possíveis variações de temperatura e exposição solar nas estações do ano. Em nossa região, foi observada uma pequena variação nas temperaturas médias mensais nos meses das coletas, sendo, em ambos os períodos, próxima a 20°C(22). Além disso, estamos sujeitos a uma variação menor na incidência solar, em comparação com a Noruega. Assim, acreditamos que a variação sazonal não é realmente um fator pré-analítico relevante em nossa região.
CONCLUSÃO
O presente estudo possibilitou concluir sobre a importância dos laboratórios clínicos padronizarem a realização da coleta da testosterona, com jejum de pelo menos 8 horas antes do exame, e no início da manhã, a fim de minimizar o impacto dessas variáveis pré-analíticas na interpretação dos resultados do hormônio. A importante redução observada pode resultar em diagnóstico incorreto de distúrbio gonadal em um indivíduo saudável.
REFERÊNCIAS
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