Autismo, Estigma e Identidade: A Perspectiva Autista

A compreensão do autismo é um campo com múltiplas perspectivas, onde visões científicas e sociais frequentemente entram em conflito. Tradicionalmente, o autismo tem sido enquadrado como uma condição neurocognitiva ou um transtorno com uma “tríade de deficiências” na interação social, comunicação e comportamento repetitivo. No entanto, a visão dominante de patologia contrasta fortemente com a forma como muitos indivíduos autistas compreendem a si mesmos.

Um estudo qualitativo investigou como 20 indivíduos autistas entendem seu autismo e vivenciam o estigma a ele associado. A pesquisa revelou que os participantes veem o autismo como uma parte central de sua identidade, inseparável de quem são. Eles o descreveram como uma realidade biológica e neutra em termos de valor, comparável a traços como a cor da pele, altura ou ser canhoto, e não como uma doença ou transtorno.

Apesar dessa auto-percepção neutra, os participantes expressaram um forte sentimento de que a sociedade impõe significados negativos ao autismo, o que gera uma tensão constante e um fardo para eles. O estigma é sentido como inescapável e permeia todos os aspectos da vida, incluindo diagnóstico, relações sociais e emprego. Os estereótipos mais comuns associados ao autismo incluem a ideia de que a pessoa autista é infantil, incapaz de comunicação verbal, do sexo masculino e propensa à violência. Tais estereótipos não apenas limitam e discriminam, mas também podem agir como barreiras para o diagnóstico, especialmente para meninas e mulheres autistas.

Os participantes relataram enfrentar um “duplo dilema” em relação à divulgação de seu autismo. Eles sentem que são julgados negativamente tanto quando revelam ser autistas quanto quando tentam esconder, temendo as consequências negativas em ambos os casos. A pressão para se camuflar como não-autistas para se encaixar na sociedade é intensa, mas tem um custo significativo para a saúde mental.

Como forma de lidar com esse estigma, os indivíduos autistas utilizam estratégias como a reconceituação positiva do autismo e a ressignificação da linguagem. O uso da “linguagem de identidade” (por exemplo, “indivíduo autista” em vez de “indivíduo com autismo”) é uma forma de reafirmar que o autismo é uma parte intrínseca de sua identidade e não uma doença que pode ser separada deles. Os participantes rejeitam a “linguagem de pessoa primeiro” pois sentem que ela é condescendente e sugere que o autismo é algo inerentemente ruim, similar a uma doença. Essa ressignificação da linguagem e da identidade serve como um ato de libertação e empoderamento, desafiando a hierarquia social que subjugou a comunidade autista e permitindo que se sintam mais humanos e completos.

A pesquisa salienta a importância de ouvir as vozes das pessoas autistas para obter uma compreensão mais completa e humana do autismo, o que pode levar a um tratamento mais ético e a um maior apoio na sociedade. A visão de que o autismo não é uma patologia intrínseca, mas sim uma forma de diversidade neurológica que enfrenta estigma e exclusão, ganha cada vez mais força na comunidade autista e desafia as visões tradicionais.

Referência:
Botha, M., Dibb, B., & Frost, D. M. (2022). “Autism is me”: an investigation of how autistic individuals make sense of autism and stigma. Disability & Society, 37(3), 427–453. https://doi.org/10.1080/09687599.2020.1822782

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