A relação entre altas habilidades intelectuais e a presença de transtornos comportamentais e socioemocionais é um tema de debate contínuo e complexo na literatura científica. Uma revisão sistemática recente analisou estudos publicados entre 2000 e 2020 para investigar essa associação, mas os resultados não permitiram uma conclusão unívoca. A heterogeneidade dos estudos, incluindo a idade dos participantes, os informantes (pais, professores, próprios indivíduos) e os instrumentos de avaliação utilizados, é apontada como a principal causa das descobertas inconsistentes.
O conceito de “dupla excepcionalidade” descreve a condição em que as altas habilidades coexistem com um transtorno neuropsiquiátrico, sendo o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) os mais frequentemente citados. O diagnóstico diferencial pode ser desafiador, pois algumas características típicas de altas habilidades, como a hiperexcitabilidade psicomotora ou imaginativa, podem ser confundidas com a hiperatividade ou desatenção observadas no TDAH. Da mesma forma, alguns gifted podem apresentar problemas socioemocionais semelhantes aos do autismo de alto funcionamento, como dificuldades sociais, retraimento e sensibilidade excessiva. No entanto, a alta inteligência pode funcionar como um fator de proteção, permitindo que as crianças desenvolvam estratégias para mascarar os sintomas de TDAH ou demonstrem uma maior consciência de seu comportamento social.
Os resultados da revisão indicam que o contexto e o tipo de alta habilidade podem influenciar a manifestação dos problemas. Em crianças em idade pré-escolar, por exemplo, a maioria dos estudos não encontrou uma associação entre altas habilidades e problemas emocionais ou comportamentais. Contudo, na adolescência, essa relação se torna mais evidente, principalmente nas autoavaliações dos adolescentes, que relataram mais medos sociais e insegurança. A avaliação por múltiplos informantes (pais, professores e o próprio indivíduo) é, portanto, crucial, já que suas percepções sobre o comportamento podem divergir. Além disso, a discrepância entre as habilidades verbais e não verbais, um fenômeno conhecido como desenvolvimento assíncrono, parece ser um fator de risco significativo, com crianças que apresentam essa discrepância mostrando mais problemas de desregulação emocional e comportamental. Em contraste, em alguns casos, altas habilidades podem atuar como um fator protetor, com escores de QI mais altos estando associados a uma diminuição de problemas de atenção e hiperatividade.
A revisão conclui que as altas habilidades podem ser tanto um fator de risco quanto um fator protetor para o desenvolvimento de transtornos comportamentais e socioemocionais. Fatores como a idade, o sexo, o ambiente (se é mais ou menos estimulante), e o “nível” de altas habilidades (alto versus muito alto) são moduladores importantes na expressão desses sintomas. É ressaltado que a pesquisa futura deve abordar as lacunas atuais, como a falta de estudos sobre a comorbidade entre altas habilidades e o TEA ou deficiências de aprendizagem, e adotar uma abordagem mais abrangente que não se limite à categorização baseada apenas no QI, mas que considere a variabilidade individual nos perfis cognitivos para uma compreensão mais completa.
Referência:
Tasca, I., Guidi, M., Turriziani, P., Mento, G., & Tarantino, V. (2024). Behavioral and Socio-Emotional Disorders in Intellectual Giftedness: A Systematic Review. Child Psychiatry & Human Development, 55(3), 768–789. doi: 10.1007/s10578-022-01420-w
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