O exercício físico é amplamente reconhecido como um componente essencial na prevenção e no controle do diabetes tipo 2, promovendo benefícios como a melhora da sensibilidade à insulina e a regulação da homeostase da glicose. No entanto, um dado frequentemente negligenciado nos estudos clínicos e nas diretrizes generalistas é a significativa variabilidade interindividual na resposta ao exercício. Esta heterogeneidade — que inclui desde indivíduos com melhora acentuada até os chamados “não respondedores” e, em alguns casos, “respondedores adversos” — apresenta implicações diretas sobre a eficácia das intervenções baseadas em atividade física e desafia a padronização de recomendações clínicas.
Estudos como o HERITAGE, HART-D e STRRIDE identificaram que a não resposta ao exercício, definida pela ausência de melhora na sensibilidade à insulina ou tolerância à glicose após intervenções supervisionadas, pode afetar até 63% dos participantes, dependendo do desfecho avaliado e do protocolo adotado. Em uma análise combinada de seis estudos com foco em insulina de jejum, estimou-se uma média de 8,3% de respondedores adversos. Essas taxas não são desprezíveis e evidenciam a necessidade urgente de compreender os mecanismos biológicos subjacentes e os preditores dessa variabilidade (Böhm et al., 2016).
As razões para essas diferenças de resposta são multifatoriais. Fatores como o nível basal de aptidão cardiorrespiratória, gordura hepática e visceral, composição corporal, polimorfismos genéticos (como nos genes FTO, ADIPOR1, PPARG, PGC1α e TCF7L2) e características epigenéticas e inflamatórias demonstraram associação com a não resposta. Por exemplo, indivíduos com menor secreção de insulina e maior acúmulo de gordura hepática e visceral mostraram-se menos responsivos a programas de intervenção que combinam dieta e exercício. Isso sugere que a eficácia do exercício pode depender da integridade funcional pré-existente de vias metabólicas-chave, como as envolvidas na sinalização da insulina e na oxidação mitocondrial de substratos energéticos (Böhm et al., 2016).
No tecido muscular esquelético — principal sítio de captação de glicose mediada por insulina — o aumento da biogênese mitocondrial, o conteúdo de proteínas relacionadas ao metabolismo oxidativo e a plasticidade na conversão de fibras musculares estão entre os mecanismos mais implicados na melhora metabólica induzida pelo exercício. Curiosamente, a ausência desses processos adaptativos em indivíduos não respondedores foi associada à menor expressão de genes relacionados à função mitocondrial, conforme evidenciado em análises transcriptômicas de biópsias musculares (Böhm et al., 2016).
Outros tecidos também participam dessa resposta variável. A redução da gordura visceral e subcutânea, mediada principalmente pelo tecido adiposo, mostrou forte correlação com melhora na sensibilidade à insulina, independentemente da melhora na aptidão cardiorrespiratória. Além disso, alterações no fígado — particularmente a diminuição dos lipídeos intra-hepáticos — parecem desempenhar papel central na resposta metabólica ao exercício. Há também indicações de que a sensibilidade cerebral à insulina pode influenciar indiretamente a perda de gordura corporal e o apetite, apontando para uma contribuição do sistema nervoso central nessa complexa interação (Böhm et al., 2016).
Do ponto de vista prático, essa variabilidade obriga uma mudança de paradigma: da prescrição generalista de exercício físico para estratégias personalizadas de intervenção. Protocolos que incluem treinamento intervalado de alta intensidade ou combinações entre treino aeróbico e resistido têm se mostrado promissores para alguns subgrupos, mas sua eficácia ainda precisa ser testada em estudos controlados e com definição rigorosa de “não resposta”. Além disso, é essencial que futuras investigações incluam intervenções puramente baseadas em exercício, excluindo o ruído introduzido por mudanças dietéticas concomitantes, e considerem técnicas de fenotipagem profunda e análises moleculares multicamadas.
Em conclusão, embora a recomendação de exercício físico deva continuar sendo pilar do manejo do diabetes tipo 2, é imperativo reconhecer que uma parcela significativa dos indivíduos não obtém os mesmos benefícios metabólicos esperados. Identificar os determinantes biológicos dessa não resposta poderá abrir caminho para intervenções mais precisas, baseadas em características genéticas, moleculares e fisiológicas, com potencial para maximizar os efeitos terapêuticos do exercício na prevenção e no tratamento do diabetes.
Referência:
BÖHM, A. et al. Exercise and diabetes: relevance and causes for response variability. Endocrine, v. 51, p. 390–401, 2016. DOI: https://doi.org/10.1007/s12020-015-0792-6.
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