Autores: Lívia Cristina Ribeiro Teixeira e Alexandre Santos Bruno
Sepse é definida como uma síndrome resultante de uma resposta inflamatória sistêmica a uma infecção que leva à disfunção múltipla de órgãos, podendo evoluir nos casos desfavoráveis para o choque séptico (1). A sepse é uma síndrome complexa, cuja fisiopatologia não é totalmente compreendida. Caracterizada por duas fases: uma inicial, definida por uma resposta inflamatória exacerbada, que visa à eliminação do patógeno; seguida pela fase anti-inflamatória, em que há uma supressão do sistema imune (2). O diagnóstico precoce da sepse é crucial para prevenir complicações e reduzir a mortalidade pela doença. Entretanto, a rápida detecção da sepse ainda é um desafio, pois a mesma apresenta sinais e sintomas inespecíficos (3). Nesse contexto, o hemograma, exame laboratorial de rotina, de fácil acesso, execução e com baixo custo, fornece informações valiosas sobre o estado de saúde do paciente e pode auxiliar no diagnóstico da sepse. Mais especificamente, no leucograma, as principais alterações encontradas em amostras de pacientes com a doença são o desvio à esquerda, neutrofilia com subsequente linfocitopenia e eosinopenia (4).
O aumento da contagem global de leucócitos pode indicar a presença de uma infecção ou de um processo inflamatório sugestivo de sepse. Assim como em outras doenças inflamatórias, o desvio à esquerda é comum (5) e, junto deste, é esperado que o número total de leucócitos apresente-se aumentado. A identificação de células jovens da linhagem granulocítica pode ser utilizada como um dos fatores preditivos de sepse (6). Entretanto, estes achados, apesar de chamarem a atenção do clínico, são considerados insuficientes para a determinação de um diagnóstico.
Os neutrófilos são a primeira linha de defesa do organismo frente a uma infecção e eliminam o patógeno invasor por vários mecanismos, incluindo fagocitose, estresse oxidativo e armadilhas extracelulares de neutrófilos. Durante a sepse, o aumento de citocinas pró-inflamatórias e de fatores de crescimento induz a produção de neutrófilos pela medula óssea e a liberação dessas células para o sangue. Entretanto, durante o curso da doença, os neutrófilos sofrem várias alterações funcionais. Dentre estas, inclui-se a migração reduzida para o sítio da infecção, a atividade antimicrobiana diminuída, a apoptose retardada, bem como o acúmulo em sítios remotos, gerando dano em órgãos e inflamação persistente (7).
Casos de linfocitopenia são comumente relatados e estão associados ao aumento do risco de mortalidade. Os níveis de linfócitos tendem a diminuir drasticamente em casos de choque séptico e, em casos persistentes, estão correlacionados com aumento de morte entre pacientes com sepse (8). O mecanismo proposto para tal redução ainda não é completamente elucidado. Entretanto, propõe-se que a elevação da atividade apoptótica sobre os linfócitos (9-12) e células auxiliares, como células dendríticas (13), somado ao aumento do cortisol (14), tem como consequência uma imunossupressão generalizada do sistema imune adaptativo.
Diante das alterações nas contagens de neutrófilos e linfócitos, a razão entre essas duas populações celulares, denominada NLR (do inglês, neutrophil-to-lymphocyte ratio), pode ser usada para rastrear o curso clínico da sepse. Pacientes saudáveis apresentam valor de NLR entre 1 e 3 (15, 16), o qual tende a aumentar de acordo com o estresse gerado sobre o organismo, especialmente no caso de choque séptico. Normalmente, em poucos dias, a NLR tende a cair e, caso isso não ocorra, é comum um prognóstico negativo para o paciente (17). Pela NLR apresentar-se alterada em diferentes doenças, especialmente no ambiente hospitalar (18), a mesma não deve ser utilizada separadamente para identificar ou caracterizar qualquer doença, especialmente em casos de sepse. A eosinopenia, por outro lado, é comum em pacientes com sepse e pode ser usada como achado diferencial para sepse em relação a determinadas doenças inflamatórias hospitalares, como a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) (19). Por este motivo, a eosinopenia pode ser, até mesmo, considerada como um achado clínico decisivo para a internação de pacientes hospitalares com suspeita de sepse em unidades de terapia intensiva (20) e para cuidados mais especializados, como a utilização de antibióticos e antivirais.
Os monócitos desempenham um papel importante na resposta do hospedeiro frente a uma infecção e participam da imunomodulação durante a sepse. Entretanto, o valor da contagem dessas células é controverso. Alguns autores relataram casos de monocitose, enquanto outros descreveram monocitopenia associada ao aumento da mortalidade (21). Além disso, é descrito que monócitos tendem a mudar seu fenótipo de diferenciação, diminuindo sua capacidade de apresentação de antígenos, porém aumentando sua resposta fagocítica após diferenciados no tecido (22).
É importante salientar que as alterações dos parâmetros do hemograma citadas anteriormente podem estar presentes em diversas outras doenças. Sendo assim, as mesmas devem ser interpretadas pelos médicos como um alerta, para levantar suspeita de sepse, mas o diagnóstico deve ser sempre confirmado por exames laboratoriais e clínicos mais específicos.
Autores:
Alexandre Santos Bruno
Biomédico
Mestre em Ciências Biológicas: Farmacologia – UFMG
Lívia Cristina Ribeiro Teixeira
Biomédica
Mestra em Análises Clínicas e Toxicológicas – UFMG
Referências Bibliográficas
- Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). Jama. 2016;315(8):801-10.
- Bhan C, Dipankar P, Chakraborty P, Sarangi PP. Role of cellular events in the pathophysiology of sepsis. Inflammation research : official journal of the European Histamine Research Society [et al]. 2016;65(11):853-68.
- Vincent JL. The Clinical Challenge of Sepsis Identification and Monitoring. PLoS medicine. 2016;13(5):e1002022.
- Farkas JD. The complete blood count to diagnose septic shock. Journal of thoracic disease. 2020;12(Suppl 1):S16.
- Honda T, Uehara T, Matsumoto G, Arai S, Sugano M. Neutrophil left shift and white blood cell count as markers of bacterial infection. Clinica Chimica Acta. 2016;457:46-53.
- Porizka M, Volny L, Kopecky P, Kunstyr J, Waldauf P, Balik M. Immature granulocytes as a sepsis predictor in patients undergoing cardiac surgery. Interactive cardiovascular and thoracic surgery. 2019;28(6):845-51.
- Kovach MA, Standiford TJ. The function of neutrophils in sepsis. Current opinion in infectious diseases. 2012;25(3):321-7.
- Drewry AM, Samra N, Skrupky LP, Fuller BM, Compton SM, Hotchkiss RS. Persistent lymphopenia after diagnosis of sepsis predicts mortality. Shock. 2014;42(5):383-91.
- Girardot T, Rimmele T, Venet F, Monneret G. Apoptosis-induced lymphopenia in sepsis and other severe injuries. Apoptosis : an international journal on programmed cell death. 2017;22(2):295-305.
- Hotchkiss RS, Swanson PE, Freeman BD, Tinsley KW, Cobb JP, Matuschak GM, et al. Apoptotic cell death in patients with sepsis, shock, and multiple organ dysfunction. Critical care medicine. 1999;27(7):1230-51.
- Hotchkiss RS, Tinsley KW, Swanson PE, Schmieg RE, Jr., Hui JJ, Chang KC, et al. Sepsis-induced apoptosis causes progressive profound depletion of B and CD4+ T lymphocytes in humans. Journal of immunology. 2001;166(11):6952-63.
- Zhang Y, Li J, Lou J, Zhou Y, Bo L, Zhu J, et al. Upregulation of programmed death-1 on T cells and programmed death ligand-1 on monocytes in septic shock patients. Critical care. 2011;15(1):R70.
- Hotchkiss RS, Tinsley KW, Swanson PE, Grayson MH, Osborne DF, Wagner TH, et al. Depletion of dendritic cells, but not macrophages, in patients with sepsis. Journal of immunology. 2002;168(5):2493-500.
- Onsrud M, Thorsby E. Influence of in vivo hydrocortisone on some human blood lymphocyte subpopulations. I. Effect on natural killer cell activity. Scandinavian journal of immunology. 1981;13(6):573-9.
- Holub M, Beran O, Kaspříková N, Chalupa P. Neutrophil to lymphocyte count ratio as a biomarker of bacterial infections. Open Medicine. 2012;7(2):258-61.
- Lee JS, Kim NY, Na SH, Youn YH, Shin CS. Reference values of neutrophil-lymphocyte ratio, lymphocyte-monocyte ratio, platelet-lymphocyte ratio, and mean platelet volume in healthy adults in South Korea. Medicine. 2018;97(26):e11138.
- Terradas R, Grau S, Blanch J, Riu M, Saballs P, Castells X, et al. Eosinophil count and neutrophil-lymphocyte count ratio as prognostic markers in patients with bacteremia: a retrospective cohort study. PloS one. 2012;7(8):e42860.
- Karakonstantis S, Kalemaki D, Tzagkarakis E, Lydakis C. Pitfalls in studies of eosinopenia and neutrophil-to-lymphocyte count ratio. Infectious diseases. 2018;50(3):163-74.
- Kadir NA, Arif M, Bahrun U. Eosinophil as a marker to distinguish sepsis from systemic inflammatory response syndrome (SIRS) patients in intensive care unit. International Journal of Infectious Diseases. 2012;16:e389.
- Abidi K, Khoudri I, Belayachi J, Madani N, Zekraoui A, Zeggwagh AA, et al. Eosinopenia is a reliable marker of sepsis on admission to medical intensive care units. Critical care. 2008;12(2):R59.
- Chung H, Lee JH, Jo YH, Hwang JE, Kim J. Circulating Monocyte Counts and its Impact on Outcomes in Patients With Severe Sepsis Including Septic Shock. Shock. 2019;51(4):423-9.
- Ferreira da Mota NV, Brunialti MKC, Santos SS, Machado FR, Assuncao M, Azevedo LCP, et al. Immunophenotyping of Monocytes During Human Sepsis Shows Impairment in Antigen Presentation: A Shift Toward Nonclassical Differentiation and Upregulation of FCgammaRi-Receptor. Shock. 2018;50(3):293-300.
EQUIPAMENTOS E REAGENTES
DE ALTA PRECISÃO E QUALIDADE.