O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), doravante denominado autismo, é uma designação abrangente para transtornos do neurodesenvolvimento que se caracterizam por desafios na comunicação social, bem como por comportamentos repetitivos e rígidos. O autismo tem uma forte base genética e afeta aproximadamente 1-2% da população em geral. A incidência de diagnósticos aumentou nas últimas décadas, o que se atribui a uma maior conscientização e a alterações nos critérios de diagnóstico.
Apesar dos avanços significativos na pesquisa, como a identificação de variantes genéticas e fatores de risco, a heterogeneidade comportamental e biológica do autismo ainda representa um desafio central para a comunidade científica e clínica. Essa heterogeneidade dificulta a busca por um fator de risco ou biomarcador universal que possa explicar todos os casos de autismo, levando a problemas de reprodutibilidade em pesquisas e generalização clínica. Em resposta a essa complexidade, foi proposta uma teoria unificadora para o autismo, que se baseia na estrutura de uma tríade patogenética.
A tríade patogenética deconstrói o autismo em três componentes interativos: uma dimensão de personalidade autista (AP), mecanismos de compensação cognitiva (CC) e fatores de risco neuropatológicos (NB). O modelo sugere que a personalidade autista representa um núcleo comum, que quando acentuado, pode levar a problemas comportamentais. Estes problemas são mitigados por mecanismos cognitivos, que permitem que o indivíduo se mantenha adaptado e funcional. No entanto, a exposição a fatores de risco, sejam eles endógenos ou exógenos, converge em seus efeitos negativos sobre o neurodesenvolvimento. Essa interferência afeta secundariamente a compensação cognitiva, o que, por sua vez, “desinibe” um fenótipo comportamental mal adaptativo que pode exigir um diagnóstico clínico.
A dimensão da personalidade autista é vista como um domínio de personalidade central e não patológico, que é compartilhado por toda a população e geneticamente desvinculado de características como baixa capacidade cognitiva e disfunção imunológica. Esta teoria propõe que variantes genéticas comuns subjazem a essa dimensão de personalidade, enquanto variantes raras funcionam como fatores de risco que afetam o neurodesenvolvimento de forma negativa. Dessa forma, a tríade patogenética apresenta um mecanismo fisiopatológico unificado, onde diversos fatores de risco levam ao autismo através da inibição do neurodesenvolvimento e da disfunção cognitiva. Em outras palavras, o autismo não é um fenômeno binário, mas sim um constructo dimensional em que o diagnóstico ocorre no extremo de um espectro contínuo de traços autistas.
O artigo defende que a baixa capacidade cognitiva e a disfunção imune ou autonômica não são parte do núcleo do autismo, mas sim fatores de risco independentes que geram um viés de identificação clínica. Esse viés ocorre porque indivíduos com menor capacidade compensatória são mais propensos a buscar serviços de saúde mental, resultando em uma super-representação dessas características nas amostras clínicas. O modelo da tríade patogenética oferece um novo olhar sobre o autismo, incorporando a heterogeneidade do transtorno, as diferenças entre os sexos, a presença de talentos e a possibilidade de fenótipos adquiridos, e busca fornecer uma estrutura para a estratificação biológica, visando a uma maior homogeneidade em pesquisas científicas e intervenções clínicas mais personalizadas.
Referência:
Sarovic, D. (2021). A Unifying Theory for Autism: The Pathogenetic Triad as a Theoretical Framework. Frontiers in Psychiatry, 12, 767075.
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