Receber um resultado genético indicando alta predisposição para Doença de Alzheimer é uma das notícias mais assustadoras que alguém pode enfrentar. Mas a neurociência moderna traz uma mensagem de esperança: ter os genes não significa necessariamente desenvolver a doença. A área da neuroepigenética demonstra que o estilo de vida pode “ligar” ou “desligar” genes de risco, transformando uma sentença aparente em apenas uma predisposição controlável.
O neurocientista Dr. Fabiano de Abreu Agrela, pós-PhD em Neurociências e especialista em Genômica, analisa perfis genéticos através do Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH) e observa regularmente pessoas com alta carga genética para Alzheimer. Segundo ele, o principal marcador de risco é o gene APOE, especificamente a variante APOE4.
“O APOE4 aumenta significativamente o risco de Alzheimer, mas não determina o destino. Observamos nos dados científicos que o estilo de vida tem impacto massivo na manifestação ou não da doença. Pessoas com APOE4 que seguem protocolos de neuroproteção conseguem retardar ou até evitar o desenvolvimento dos sintomas”, explica Dr. Fabiano.
Alzheimer e metabolismo: a conexão ignorada
Uma das descobertas mais importantes da última década é a relação entre Alzheimer e diabetes. Muitos cientistas chamam o Alzheimer de “Diabetes Tipo 3” porque a doença envolve resistência à insulina no cérebro.
“O cérebro de pessoas com predisposição para Alzheimer tem dificuldade crescente em usar glicose como combustível. Quando você come muito açúcar e carboidratos refinados, o excesso de insulina no sangue impede a limpeza das placas amiloides que se acumulam no cérebro. A ligação entre controle metabólico e saúde cerebral é direta”, detalha o neurocientista.
Segundo Dr. Fabiano, quem tem risco genético para Alzheimer precisa priorizar o controle da glicemia. “Dietas anti-inflamatórias e de baixo índice glicêmico são a primeira linha de defesa. Estamos falando de eliminar açúcares simples e farinhas brancas, focar em vegetais de folhas verdes escuras, azeite de oliva extra virgem, peixes gordos ricos em ômega-3, nozes e frutas vermelhas.”
O pesquisador menciona que algumas pessoas com APOE4 se beneficiam de dietas cetogênicas. “A dieta cetogênica ensina o cérebro a usar gordura, na forma de cetonas, como combustível alternativo à glicose. Estudos preliminares mostram resultados promissores para manter a cognição em portadores de APOE4, mas isso precisa ser feito com acompanhamento profissional.”
O sono: sistema de limpeza do cérebro
Durante o sono profundo, o cérebro ativa o sistema glinfático, um mecanismo de “lavagem” que remove toxinas acumuladas durante o dia, incluindo as proteínas beta-amiloide e tau que formam as placas características do Alzheimer.
“Dormir bem não é luxo, é manutenção neurológica básica. Durante o sono profundo, os espaços entre os neurônios aumentam e o fluido cerebrospinal literalmente lava o cérebro, removendo lixo metabólico. Quem dorme mal acumula essas toxinas ano após ano”, explica Dr. Fabiano.
O neurocientista alerta que apneia do sono é especialmente perigosa. “A apneia causa quedas repetidas de oxigênio durante a noite, matando neurônios e acelerando demência. Pessoas com predisposição genética para Alzheimer que também têm apneia estão acelerando dramaticamente o processo. Tratar a apneia com CPAP ou outros métodos é neuroproteção urgente.”
Exercício: o único remédio que cria neurônios novos
O exercício físico é a única intervenção comprovada que aumenta o BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro), uma proteína que estimula o nascimento de novos neurônios e protege o hipocampo, a região responsável pela memória.
“Exercício não é opcional para quem tem risco de Alzheimer. É a intervenção mais poderosa que temos. Musculação protege contra fragilidade física e melhora o metabolismo da glicose. Exercício aeróbico melhora o fluxo sanguíneo cerebral, que é vital para manter o cérebro funcionando. A combinação dos dois é ideal”, afirma Dr. Fabiano.
O pesquisador ressalta que o benefício não vem de atividade leve. “Precisa ser exercício que desafia o corpo. Caminhada suave ajuda, mas não tem o mesmo efeito neuroprotetor que corrida, natação intensa ou treino de força. O cérebro responde ao desafio físico produzindo BDNF.”
Reserva cognitiva: construir rotas alternativas no cérebro
O conceito de reserva cognitiva explica por que pessoas com alta escolaridade e atividade intelectual demoram mais a manifestar sintomas de Alzheimer, mesmo quando as placas amiloides já estão presentes no cérebro.
“O cérebro dessas pessoas desenvolveu tantas conexões e rotas neurais alternativas que consegue compensar os danos iniciais. Quando uma via é bloqueada pelas placas, o cérebro usa outra rota. É como ter várias estradas para chegar ao mesmo destino”, compara Dr. Fabiano.
O neurocientista enfatiza que não basta manter a atividade intelectual atual. “Tem que ser aprendizado novo e difícil. Ler sobre assuntos que você já domina não cria sinapses novas. Aprender uma língua nova, um instrumento musical, dança, algo que force o cérebro a criar circuitos que não existem. Essa é a reserva cognitiva que protege.”
Dr. Fabiano também menciona a importância da socialização. “O isolamento acelera demência. Manter laços sociais fortes, conversas complexas, interações significativas, tudo isso mantém o cérebro ativo e cria essa rede de proteção neural.”
Suplementação baseada em evidências
Alguns suplementos têm evidências científicas de benefício para pessoas com risco de Alzheimer, mas Dr. Fabiano alerta que devem ser usados com orientação profissional.
“Ômega-3, especificamente DHA e EPA, é estrutural para o cérebro. Estudos mostram benefício claro, especialmente para quem tem inflamação sistêmica. Vitamina B12 e folato são essenciais porque deficiência de B12 pode mimetizar demência. Vitamina D funciona como neuroesteroide protetor. Mas tudo isso precisa ser dosado e acompanhado, não é para sair tomando por conta própria.”
O pesquisador explica que suplementação aleatória pode ser inútil ou até prejudicial. “Cada pessoa tem um perfil genético e metabólico diferente. O que funciona para um pode não funcionar para outro. O ideal é fazer exames, identificar deficiências reais e corrigir especificamente o que está errado.”
Estresse: o inimigo silencioso da memória
O cortisol, hormônio liberado durante estresse crônico, é tóxico para o hipocampo, exatamente a região que o Alzheimer ataca primeiro.
“Pessoas com ansiedade crônica, neuroticismo alto ou estresse constante estão literalmente banhando o cérebro em cortisol todos os dias. Isso mata neurônios no hipocampo e prejudica a formação de memórias novas. Para quem já tem predisposição genética para Alzheimer, gerenciar o estresse não é questão de bem-estar, é questão de sobrevivência neurológica”, adverte Dr. Fabiano.
O neurocientista sugere que meditação, terapia, práticas de mindfulness e hobbies relaxantes funcionam como “remédios” para o cérebro. “Reduzir cortisol cronicamente elevado é uma forma direta de proteger o hipocampo. Pessoas com risco genético para Alzheimer precisam levar o controle do estresse tão a sério quanto levam a dieta ou o exercício.”
Genética não é destino
Dr. Fabiano conclui com uma mensagem clara: conhecer a predisposição genética é poder, não condenação. “Quando você descobre que tem APOE4 ou outras variantes de risco, ganha a oportunidade de agir preventivamente. As intervenções que discutimos têm evidências sólidas de eficácia. Não são garantias absolutas, mas reduzem dramaticamente o risco e retardam a manifestação da doença.”
O pesquisador enfatiza que a combinação de fatores é o que faz diferença. “Não adianta comer bem mas dormir mal. Não adianta fazer exercício mas viver estressado. O cérebro precisa de proteção em todas as frentes: metabólica, vascular, inflamatória, cognitiva. Quanto mais pilares você implementa, maior a proteção.”
Para quem recebeu resultado genético indicando alto risco, a mensagem é de esperança fundamentada em ciência. “Você não pode mudar os genes que herdou, mas pode mudar completamente como esses genes se expressam. A neuroepigenética mostra que o ambiente e o estilo de vida controlam quais genes ficam ativos. Ter predisposição não é sentença, é um aviso para agir.”
Dr. Fabiano de Abreu Agrela é pós-PhD em Neurociências, especialista em Genômica e Bioinformática, membro da Royal Society of Biology (Reino Unido) e da Society for Neuroscience (EUA). É diretor do CPAH (Centro de Pesquisa e Análises Heráclito), onde desenvolve análises genômicas incluindo marcadores de predisposição para doenças neurodegenerativas.


