COLUNA DO DR. ROBERTO YANO
O corpo fala. Nem sempre grita, mas fala. E quando o assunto é o coração, esses sinais podem ser discretos, quase sussurrados. A questão é que a maioria das pessoas ainda associa problemas cardíacos exclusivamente a dor no peito ou àquela cena clássica de alguém caindo no chão com a mão no peito. A ciência já deixou claro: os sinais reais nem sempre seguem o roteiro dramático que o imaginário popular espera.
O campo da neurociência comportamental vem reforçando algo que a prática clínica já observa há décadas: a percepção que cada pessoa tem do próprio corpo varia conforme sua relação com a dor, atenção aos sintomas e, principalmente, o grau de autoconhecimento fisiológico. Quando o cérebro interpreta um desconforto como irrelevante, a chance de que esse sinal seja ignorado aumenta. E isso pode custar caro.
A genômica comportamental acrescenta uma camada ainda mais complexa. Certos perfis genéticos influenciam o modo como reagimos ao estresse, processamos sinais de fadiga ou lidamos com inflamações silenciosas. Pessoas com variantes genéticas associadas à baixa resposta inflamatória, por exemplo, podem demorar mais para perceber os efeitos de uma alteração cardíaca, justamente porque o corpo não reage de forma “barulhenta”.
No consultório, esses dados ganham rosto e história. Chega alguém com leve falta de ar ao subir uma escada. Outro relata inchaço recorrente nos pés no fim do dia. Uma terceira pessoa descreve episódios de tontura ao levantar da cadeira. Isoladamente, parecem queixas banais. Mas quando vistas com atenção médica, revelam o que a literatura científica já sustenta: a saúde cardiovascular se revela nos detalhes.
Cinco sinais merecem vigilância constante:
1. Inchaço nos tornozelos ou pés.
A retenção de líquido em membros inferiores, especialmente ao fim do dia, pode estar relacionada a falhas na eficiência do coração. Quando não há causa mecânica ou postural clara, a hipótese cardiovascular precisa entrar em campo.
2. Falta de ar em esforços leves.
Sentir cansaço ao subir poucos degraus ou em caminhadas curtas pode apontar para uma limitação no bombeamento de sangue. Se o corpo precisa se esforçar demais para realizar tarefas simples, algo está fora do compasso.
3. Batimentos desregulados mesmo em repouso.
Palpitações sem motivo aparente, ou batimentos acelerados enquanto o corpo está em descanso, indicam a possibilidade de arritmias. Esses quadros afetam a condução elétrica do coração e não devem ser subestimados.
4. Tonturas ou desmaios sem causa definida.
Alterações no fluxo sanguíneo cerebral, muitas vezes provocadas por falhas no ritmo ou na força de contração cardíaca, podem se manifestar como desmaios breves ou vertigens súbitas.
5. Dores que não estão no peito.
Desconfortos em locais como mandíbula, costas ou braço esquerdo, quando acompanhados de mal-estar, suor frio ou náuseas, precisam ser tratados como alertas sérios. O coração nem sempre dói onde se espera.
Esses sinais não são diagnósticos nem motivo imediato para pânico. Mas ignorá-los é uma escolha de risco. O cérebro é programado para priorizar estímulos intensos. Cabe a nós treinar a escuta para o que é sutil. Saúde cardiovascular exige um pacto entre atenção, ciência e rotina. E esse pacto começa quando se aprende a escutar o próprio corpo sem pressa nem preconceito.
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Sobre o autor
Dr. Roberto Yano é médico cardiologista, especialista em Estimulação Cardíaca Artificial pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e AMB. Criador da comunidade #amigosdocoração, soma mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais, com conteúdos que traduzem a cardiologia em linguagem acessível, responsável e comprometida com a prevenção.