A psicopatia é um tema de grande relevância social e jurídica, dada a sua forte correlação com o comportamento criminoso e a reincidência violenta. O debate sobre se a psicopatia é um transtorno mental é crucial para determinar a resposta social e legal apropriada a indivíduos com traços psicopáticos exacerbados. Se for considerada uma doença mental, a psicopatia poderia ser um fator atenuante na responsabilização legal. No entanto, a visão dominante tende a tratá-la como um fator agravante, levando a punições mais severas.
O Harmful Dysfunction (Disfunção Prejudicial) de Wakefield oferece um quadro conceitual para abordar essa questão. Segundo essa visão, uma condição é considerada um transtorno se for prejudicial (avaliada por padrões culturais) e resultar de uma falha em um mecanismo interno, cuja função é determinada por sua história evolutiva. Embora a psicopatia possa ser vista como prejudicial em termos sociais, pois frequentemente resulta em privação de liberdade e falta de relações interpessoais normais , a questão central é se ela constitui uma disfunção biológica.
Argumentos baseados na teoria evolucionária sugerem que a psicopatia pode não ser uma disfunção, mas sim uma adaptação. Essa perspectiva propõe que os traços psicopáticos podem ser mantidos na população por meio da seleção dependente de frequência. A ideia é que, em uma população majoritariamente cooperativa, uma pequena proporção de “trapaceiros” (indivíduos psicopatas) pode prosperar explorando a benevolência dos outros. À medida que a frequência de psicopatas aumenta, a sociedade desenvolve contramedidas, como o encarceramento, mantendo a sua prevalência em um nível baixo. Essa teoria se alinha com estimativas de que a prevalência de psicopatas na população geral é de cerca de 1% , um nível que a torna uma estratégia adaptativa viável.
As peculiaridades neuropsicológicas dos psicopatas, frequentemente descritas como disfunções, podem, sob essa luz, ser vistas como características de design de uma estratégia de vida adaptativa. Por exemplo, a hipoatividade da amígdala pode ser uma adaptação que permite o comportamento antissocial, sem o freio emocional que tipicamente regula o comportamento de outras pessoas. Além disso, a Teoria da História de Vida (LHT) sugere que os traços psicopáticos, como a impulsividade e a busca por gratificação imediata, podem ser estratégias adaptativas em ambientes imprevisíveis ou de vida curta, onde a reprodução precoce e em grande quantidade compensa a longevidade reduzida.
Em suma, a hipótese de que a psicopatia é uma adaptação desafia a categorização de psicopatia como um transtorno mental sob a perspectiva de Wakefield. A menos que essa hipótese seja refutada, é prudente ser cauteloso ao classificar a psicopatia como uma disfunção prejudicial. A pesquisa futura deve continuar a investigar as bases funcionais e disfuncionais dos traços psicopáticos para informar nossa compreensão e resposta a essa condição complexa.
Referência:
JURJAKO, M. Is psychopathy a harmful dysfunction?. Biology & Philosophy, 2018.
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