O sequestro psicológico na adolescência: quando a violência não deixa marcas visíveis, mas reconfigura o cérebro

O sequestro psicológico caracteriza-se por ciclos repetitivos de críticas depreciativas intercaladas com elogios estratégicos. Essa alternância paradoxal produz confusão emocional, enfraquece a autopercepção e favorece a dependência afetiva.

Por: Dr. Fabiano de Abreu Agrela

A violência emocional é, muitas vezes, invisível aos olhos sociais e institucionais, mas profundamente ativa no cérebro de quem a sofre. Entre suas formas mais sutis e nocivas está o chamado “sequestro psicológico”, um fenômeno recentemente analisado em estudo publicado no International Journal of Health Science, desenvolvido por mim em parceria com Gabriela Rodrigues, estudante de Ciência e Tecnologia. Trata-se de um padrão manipulativo que afeta especialmente adolescentes, fase marcada por intensa reorganização emocional, cognitiva e neurobiológica.

O sequestro psicológico caracteriza-se por ciclos repetitivos de críticas depreciativas intercaladas com elogios estratégicos. Essa alternância paradoxal produz confusão emocional, enfraquece a autopercepção e favorece a dependência afetiva. Diferentemente da violência explícita, esse tipo de abuso se instala de forma gradual, mascarado por discursos ambíguos que dificultam sua identificação tanto pela vítima quanto pelo entorno social.

Do ponto de vista neurocientífico, a adolescência é um período de alta plasticidade cerebral, especialmente no córtex pré-frontal — região responsável pelo julgamento, pela autorregulação emocional e pela tomada de decisões. A exposição contínua a ambientes emocionalmente imprevisíveis ativa circuitos de estresse crônico, promovendo um estado persistente de alerta neurofisiológico. Evidências experimentais demonstram que esse padrão leva à hiperatividade da amígdala, estrutura central no processamento do medo e da ameaça, ao mesmo tempo em que compromete o controle inibitório exercido pelo córtex pré-frontal.

O estudo também aponta disfunções no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsável pela regulação do cortisol. A ativação prolongada desse sistema gera desequilíbrios hormonais associados a ansiedade, hipervigilância e maior vulnerabilidade a transtornos emocionais. Esses achados convergem com pesquisas publicadas em periódicos como Developmental Cognitive Neuroscience e Neurobiology of Stress, que associam experiências adversas precoces a alterações duradouras na arquitetura funcional do cérebro.

Um dos aspectos mais preocupantes do sequestro psicológico é sua dificuldade de detecção. Como explica Gabriela Rodrigues, “ele se esconde em mensagens ambíguas e reforços positivos estratégicos, o que faz com que a vítima questione suas próprias percepções”. Essa ambivalência emocional enfraquece a autonomia psicológica e favorece a internalização da culpa, criando um ciclo de submissão afetiva silenciosa.

As implicações práticas desses achados são diretas e urgentes. Escolas, famílias e profissionais da saúde precisam ser capacitados para reconhecer sinais precoces desse tipo de abuso, que muitas vezes se manifesta por mudanças sutis de comportamento, retraimento emocional, insegurança excessiva ou medo constante de desaprovação. A intervenção precoce pode interromper a consolidação de padrões neuroemocionais disfuncionais e preservar o desenvolvimento saudável da identidade do adolescente.

 

Compreender o sequestro psicológico como uma forma legítima de violência emocional é um passo fundamental para enfrentá-lo. A ciência já demonstra que palavras, silêncios e ambiguidades também moldam o cérebro. Ignorar esse fato é permitir que danos profundos continuem ocorrendo sem testemunhas. Reconhecer, nomear e intervir é, portanto, uma responsabilidade coletiva — e uma urgência neurobiológica.