Não é raro encontrar na internet conteúdos sobre os supostos benefícios de injeções de sangue que usam o fluido produzido pelo próprio paciente. Por vezes denominada hemoterapia, essa prática não condiz com o significado real do termo – além de ser fortemente rechaçada por profissionais e entidades médicas.
A CNN conversou com médicos especialistas, que explicaram por que injetar o próprio sangue no paciente é uma prática não recomendada e o que, de fato, é a hemoterapia.
Por que injetar o próprio sangue não é recomendado?
A chamada auto-hemoterapia é uma prática desaconselhada por médicos e entidades. A técnica consiste na aplicação intramuscular do sangue do próprio paciente, chamando a atenção de pessoas leigas por oferecer uma suposta melhora da imunidade, servir de tratamento para algumas doenças, benefícios estéticos, entre outros.
“É um charlatanismo”, alerta José Francisco Comenalli Marques Jr., membro do comitê de Hemoterapia da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
A associação, assim como o Conselho Federal de Medicina (CFM), rechaça a prática da auto-hemoterapia pela falta de comprovação científica – a nível nacional e internacional – sobre seus reais benefícios ao corpo.
Elas reforçam que, ao contrário do que pode ser oferecido enquanto benefício, realizar a auto-hemoterapia pode acarretar em graves malefícios e riscos ao organismo e até mesmo à vida do paciente.
Marques Jr. destaca a possibilidade de necrose e de infecção com abscesso muscular, podendo evoluir para uma septicemia – o que pode causar a morte.
O CFM reforça, em nota, que médicos que praticarem a auto-hemoterapia podem sofrer penalidades e terem seus registros profissionais cassados.
Mas, afinal, o que é a hemoterapia?
A hemoterapia é uma área da saúde, exercida por médicos hematologistas e hemoterapeutas, que utiliza componentes do sangue (hemácias, plaquetas e plasma) para o tratamento e diagnóstico de doenças.
“Por se utilizar o termo ‘hemoterapia’ para a autohemoterapia, acaba-se confundindo com a especialidade regulamentada, levando à confusão e a sensação de que [a segunda] é uma tratamento oficial ou consolidado”, explica Fabio Lino, diretor do serviço de hemoterapia do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE).
A coleta de células tronco e a transfusão de medula óssea, por exemplo, são práticas realizadas por especialistas dessa área médica, assim como a doação e a transfusão de sangue.
Quando a hemoterapia é usada?
Anemia grave, sangramentos intensos causados por traumas ou cirurgias, tratamento das doenças hematológicas (como a leucemia e o linfoma) e oncológicas, doenças renais (em pacientes que fazem hemodiálise) e distúrbios de coagulação são alguns dos casos em que se usam procedimentos da hemoterapia para o tratamento do paciente.
“Na hemofilia, [as transfusões] são essenciais para repor o fator deficiente e melhorar a qualidade de vida do paciente”, adiciona Mariane Gennari, hematologista pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Existem riscos?
Como qualquer procedimento médico, as transfusões e demais procedimentos hemoterápicos, embora seguros, podem oferecer riscos e efeitos colaterais ao paciente.
Entre eles, destacam-se possíveis reações alérgicas, febre e sobrecarga de volume do sangue em pacientes com insuficiência cardíaca.
A longo prazo, existe também o risco para infecções (muito embora os bancos de sangue sejam rigorosamente controlados para minimizar essa possibilidade), além de complicações mais raras como as reações hemolíticas (destruição das células do sangue) e a doença enxerto contra hospedeiro transfusional (resposta imunológica ao fluido transfusionado).
“Existem casos em que é necessário um cuidado especial para a realização do procedimento, como nos pacientes que já receberam muitas transfusões ou que tiveram alguma reação grave. Além disso, há situações em que a transfusão é indicada somente em situações especiais e com cautela. Nas doenças autoimunes, como a anemia hemolítica imune e plaquetopenia imune, o uso dos hemocomponentes pode piorar o quadro”, diz Mariane.
Doação é essencial
Por fim, a recomendação é sempre conversar com os profissionais responsáveis pelo caso para entender se e quando a transfusão é necessária. Além disso, a médica reforça a importância da doação de sangue.
“Muitas pessoas só pensam na hemoterapia em situações críticas ou quando são sensibilizadas por alguém próximo ou midiático. Mas, a disponibilidade de sangue para todos os pacientes depende de doações regulares. Doar sangue é um ato de solidariedade que salva vidas”, finaliza.
Matéria – Maria Beatriz Melero, colaboração para a CNN