O desenvolvimento da psicopatia: Perspectivas neurocognitivas e genéticas em crianças com traços de insensibilidade-falta de emoção

A psicopatia é uma condição de personalidade adulta que acarreta custos sociais e individuais significativos, caracterizada por falta de empatia, culpa, afetividade superficial e comportamentos antissociais violentos e premeditados. No entanto, o diagnóstico formal de psicopatia é reservado para adultos, pois a manifestação de traços psicopáticos em crianças não é fixa e pode mudar ao longo do desenvolvimento. O estudo da psicopatia em crianças e adolescentes foca em traços de insensibilidade-falta de emoção (CU, do inglês callous-unemotional), que podem ser usados para identificar um grupo de crianças com risco elevado de desenvolver psicopatia na idade adulta. Crianças com traços CU, acompanhados de comportamentos disruptivos, exibem uma falta notável de empatia e culpa, demonstram agressão instrumental e parecem insensíveis a sanções.

Estudos neurocognitivos, incluindo pesquisas com ressonância magnética funcional (fMRI), têm revelado um perfil neural consistente com a baixa responsividade emocional observada em crianças com traços CU e comportamentos disruptivos. Essas crianças mostram uma atividade reduzida na amígdala em resposta a faces de medo, o que se assemelha a achados em adultos psicopatas. Além disso, a atividade atípica em áreas como o córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC) e o córtex orbitofrontal (OFC) sugere uma sensibilidade comprometida a informações de reforço, como recompensa e punição. No entanto, não está claro se essas diferenças neurocognitivas são maleáveis ou se as melhorias comportamentais nessas crianças se devem a mecanismos compensatórios.

A pesquisa genética indica que os traços CU têm uma herdabilidade moderada a forte. No entanto, a vulnerabilidade genética para traços psicopáticos não determina o resultado final; a trajetória de desenvolvimento é moldada por uma interação complexa entre predisposições genéticas e fatores ambientais. Por exemplo, estudos em gêmeos mostram que comportamentos disruptivos com altos traços CU são altamente hereditários, enquanto comportamentos disruptivos com baixos traços CU são mais influenciados por fatores ambientais. Um ambiente familiar positivo, como o reforço positivo por parte de pais adotivos, pode atenuar os efeitos do risco genético para traços CU, demonstrando o papel protetor de fatores ambientais.

Avanços futuros na pesquisa precisam abordar a heterogeneidade da psicopatia, investigando se existem vias causais diferentes para o seu desenvolvimento. Uma subcategoria de crianças com traços CU e comportamentos disruptivos também apresenta ansiedade, frequentemente associada a experiências de adversidade social e ambiental, como maus-tratos. As características neurocognitivas dessas crianças parecem ser diferentes daquelas que não têm ansiedade, indicando a possibilidade de vias de desenvolvimento distintas, com diferentes pesos genéticos e ambientais.

Em resumo, a compreensão da psicopatia requer uma abordagem que integre múltiplos níveis de análise—genética, neurocognitiva e ambiental—ao longo do tempo. Embora ainda existam desafios, como a necessidade de amostras maiores e estudos longitudinais, os achados atuais oferecem uma base sólida para aprimorar intervenções e estratégias preventivas, especialmente aquelas que promovem um ambiente familiar mais positivo para crianças em risco.

Referência:
VIDING, E.; MCCRORY, E. Understanding the Development of Psychopathy: Progress and Challenges. Journal not specified, p. 1-21, 2017.

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