Neuroeconomia além da racionalidade: quando cérebro, genes e ambiente moldam as escolhas

Milton Friedman sustentou que os agentes agiam “como se” fossem racionais; Herbert Simon introduziu o conceito de racionalidade limitada, reconhecendo os limites cognitivos; e Daniel Kahneman e Amos Tversky demonstraram que nossas decisões são sistematicamente enviesadas. Cada uma dessas contribuições ampliou o horizonte da disciplina, mas ainda deixou lacunas importantes sobre por que decidimos como decidimos.

Desde meados do século XX, a economia vem tentando reduzir a distância entre seus modelos teóricos e o comportamento humano real. A ideia do homo economicus plenamente racional mostrou-se insuficiente diante da complexidade das decisões cotidianas. Milton Friedman sustentou que os agentes agiam “como se” fossem racionais; Herbert Simon introduziu o conceito de racionalidade limitada, reconhecendo os limites cognitivos; e Daniel Kahneman e Amos Tversky demonstraram que nossas decisões são sistematicamente enviesadas. Cada uma dessas contribuições ampliou o horizonte da disciplina, mas ainda deixou lacunas importantes sobre por que decidimos como decidimos.

Um estudo recente que desenvolvi em parceria com o neurologista e neurofisiologista Dr. João Marcello, publicado na revista científica Open Minds, avança nesse debate ao propor uma abordagem integrativa que une neurociência, genética e ambiente para compreender as escolhas econômicas. Trata-se de um movimento que desloca a análise do comportamento econômico de modelos abstratos para bases biológicas e contextuais mensuráveis.

A neuroeconomia já havia demonstrado que decisões financeiras, avaliação de risco e autocontrole não são processos puramente cognitivos. Evidências experimentais mostram que estruturas como o córtex pré-frontal, a amígdala e o estriado participam ativamente da valoração de recompensas, da aversão à perda e da regulação do impulso. Estudos em neuroimagem funcional, amplamente discutidos em periódicos como Nature Human Behaviour e Neuron, indicam que diferentes padrões de ativação nessas regiões se associam a estilos decisórios específicos.

No entanto, compreender os circuitos neurais não é suficiente. O cérebro não opera isoladamente, nem pode ser reduzido a um mecanismo determinista. As decisões emergem de padrões probabilísticos, moldados por predisposições biológicas e modulados continuamente pelo contexto. Como destacamos no estudo, pensar a economia apenas como cálculo racional ignora que o sistema nervoso humano é fruto de interações complexas entre herança genética, desenvolvimento neural e ambiente sociocultural.

Nesse ponto, a genética comportamental oferece contribuições fundamentais. Pesquisas recentes mostram que traços cognitivos e não cognitivos — como impulsividade, paciência e sensibilidade à recompensa — possuem componentes genéticos mensuráveis, distribuídos de forma poligênica. Isso não implica determinismo biológico. Como ressalta o Dr. João Marcello, as predisposições genéticas estabelecem uma base, mas sua expressão depende da interação contínua com fatores ambientais como educação, nível socioeconômico e experiências de vida. Trata-se de um sistema dinâmico de retroalimentação, no qual escolhas e contextos também alteram trajetórias futuras.

Chamamos essa proposta de Neuroeconomia Transdiagnóstica Gene–Ambiente. Seu objetivo é operacionalizar conceitos tradicionalmente abstratos da economia — risco, recompensa, preferência temporal — em termos neurobiológicos e genéticos, sem perder de vista a influência do ambiente. Isso permite analisar, por exemplo, por que indivíduos respondem de maneira tão distinta a cenários de incerteza econômica, indo além de perfis psicológicos genéricos e incorporando variáveis neurais e biológicas subjacentes.

As implicações práticas são relevantes. Políticas públicas, modelos de incentivo e estratégias econômicas tornam-se mais eficazes quando reconhecem que o comportamento humano não é homogêneo. Ao integrar cérebro, genes e ambiente, é possível construir análises mais precisas e, ao mesmo tempo, mais humanas.

A economia, ao dialogar com a neurociência e a genética, não perde rigor — ela ganha realismo. Compreender as escolhas humanas exige abandonar fórmulas rígidas e aceitar a complexidade como dado científico. Nesse sentido, o futuro da economia passa menos pela busca de um agente idealizado e mais pela compreensão profunda do ser humano real.