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Não diagnosticar é desperdício

Não diagnosticar é desperdício

Prevenção. Aumentar os diagnósticos permitirá fazer crescer a eficiência e a eficácia do sistema, melhorando indicadores de qualidade de vida dos doentes. Fundos do PRR são “oportunidade de ouro”

A importância da prevenção no domínio da saúde é uma discussão antiga e sem fim. Apesar da evidência científica que demonstra as suas vantagens, Portugal continua a apostar pouco nesta área, com apenas 1% do orçamento total do sector. Além dos efeitos negativos na saúde dos portugueses, esta falta de investimento a montante, antes mesmo da patologia evoluir para a fase aguda, tem impacto nas contas nacionais. “Mal diagnosticar o doente é desperdiçar dinheiro”, aponta João Almeida Lopes. O presidente da Apifarma garante que a “prevenção é o melhor para os doentes, para o sistema de saúde e para a sociedade”. Neste campo, os testes de diagnóstico são aliados fundamentais na tomada de decisão médica e na atuação preventiva. Mas que benefícios concretos representam?

Esta foi a pergunta a que um grupo de investigadores da NOVA Information Management School (NOVA IMS) procurou responder através de um estudo sobre os impactos socioeconómicos do diagnóstico in vitro (DIV) — na prática, todo o tipo de análises com amostras biológicas dos doentes, de que são exemplo os testes PCR para a covid-19. “Arriscámos e fizemos algumas sessões de cocriação em que tentámos apontar alguns possíveis caminhos para o futuro”, adiantou Guilherme Victorino durante a apresentação das primeiras conclusões, inserida no ciclo

Repensar a Saúde, organizado pelo Expresso. O diretor da Nova Innovation & Analytics Lab confirmou as oportunidades já identificadas na literatura científica, como ganhos de produtividade e consequente redução de custos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). “A melhoria da gestão clínica do doente tem também implicações muito documentadas ao nível da redução de custos”, atesta. Um dos exemplos dados pela pesquisa prende-se com a utilização, nos cuidados primários, do biomarcador NT-proBNP para o diagnóstico de insuficiência cardíaca. Os resultados são claros, aponta o estudo: através da redução do número de consultas, exames e internamentos é possível poupar mais de €500 mil por ano.

Contornar obstáculos

Na oncologia, atuar e detetar a doença em tempo útil é essencial. “No cancro hereditário, que representa 10% de todos os cancros e que tem o maior potencial de prevenção, o diagnóstico in vitro é muito importante”, defende Tamara Milagre. A presidente da EVITA Portugal faz questão de lembrar que uma ação rápida permite que os doentes possam continuar “a produzir e reduz os custos” para o sistema de saúde e para a economia nacional.

“Vários estudos concluem que os atrasos nos diagnósticos conduzem à duplicação de cuidados, a admissões hospitalares absolutamente evitáveis e à pior qualidade de vida e a custos mais elevados”, reconheceu Diogo Serras Lopes durante o encerramento do evento. Porém, se, como afirma o secretário de Estado da Saúde, é “consensual” o efeito positivo do diagnóstico, o que dificulta a sua maior utilização e uma maior aposta na prevenção? A presidente da Comissão Parlamentar para a Saúde, Maria Antónia de Almeida Santos, acredita que “o problema é que o investimento tem de ser [feito] em muitas áreas” e o dinheiro, diz a sabedoria popular, não estica.

No entanto, a apresentação do estudo chega em boa altura, realça Luís Marques Mendes. O comentador da SIC lembra que “temos o Orçamento do Estado à porta”, que representa uma “boa oportunidade” para que os grupos de pressão — associações de doentes, peritos e sector privado — encetem conversações com o Governo sobre a importância dos diagnósticos. Ainda assim, refere Guilherme Victorino, um dos grandes desafios identificados é a necessidade de criar um modelo de avaliação universal que permita medir o valor em saúde associado à utilização de determinados diagnósticos. “O grande desafio é o dos dados”, explica, acrescentando que a transformação digital no sector “é a única forma de termos mais pontos de contacto para podermos recolher mais dados e criar modelos”.

Poder da ‘bazuca’

No que respeita à digitalização da saúde, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê uma verba de €300 milhões para a melhoria das infraestruturas digitais e dos sistemas de informação. “O PRR é uma oportunidade de ouro e são seis anos para este efeito”, assinala Marques Mendes, que considera que o contexto pandémico pode significar maior abertura política a estes investimentos. “Não podemos pensar a curto prazo. Os diagnósticos permitem que as pessoas vivam mais tempo, tenham mais qualidade de vida. E uma vida mais saudável contribui para a economia do país e para o crescimento científico”, afiança Nazli Sahafi, diretora geral da Roche.

Lamentando a dificuldade em obter apoios públicos, Tamara Milagre partilha o contributo da associação que lidera para a prevenção oncológica através da criação da plataforma EVITA. Trata-se de um registo de pessoas com historial familiar associado ao cancro, em que os cidadãos se podem inscrever e obter aconselhamento especializado através de inteligência artificial e machine learning. “Isto vai dar-nos uma pista sobre quem precisa de ser encaminhado para o aconselhamento genético”, esclarece.

Uma das propostas feitas pelo estudo exploratório da NOVA IMS é a transição do atual modelo de financiamento do SNS, que paga em função da quantidade de episódios clínicos registados, para um modelo baseado no valor em saúde, que favoreça a prevenção. “Ligar o financiamento aos resultados pode ser um caminho a ser seguido mais vezes. Penso que teríamos todos mais vantagens nisso”, acredita Maria Antónia de Almeida Santos. Também aqui, diz a deputada, o PRR pode ser uma ferramenta importante, já que abre a possibilidade de dar “mais meios” à saúde, entre eles o diagnóstico. “Temos de fazer medicina preventiva”, remata.

A importância dos testes

70%
das tomadas de decisão clínica são baseadas nas evidências demonstradas por testes de diagnóstico in vitro, apesar de apenas 2% das despesas públicas em saúde serem investidos em diagnósticos. Testagem do HPV permite reduzir incidência em 30% e mortalidade em… 70%

14
milhões foi o número de testes de diagnóstico à covid-19 realizados em Portugal desde o início da pandemia, o equivalente a cerca de 1,4 testes por pessoa. Especialistas acreditam que é um exemplo claro do potencial desta ferramenta e do papel da inovação na saúde

29
milhões de testes de diagnóstico ficaram por realizar em 2020, por interrupção da atividade assistencial, segundo Nazli Sahafi. Entre eles, menos 500 mil rastreios oncológicos, que precisam ser recuperados. Todos os anos morrem cerca de 28 mil pessoas com cancro

40%
dos casos de cancro podem ser evitados através da prevenção. Por ser a segunda causa de morte na UE, Bruxelas lançou, em fevereiro, o Plano Europeu de Luta contra o Cancro, que garante um orçamento de €4 mil milhões para investigação, prevenção e combate

MELHORES FRASES

“Os decisores políticos não percecionam o real valor do diagnóstico, muitas vezes até o dão como adquirido, mas não como um aliado para as estratégias de futuro”
Guilherme Victorino
Diretor do Nova Innovation & Analytics Lab

“Há uma grande aposta nos cuidados primários de saúde, que é, como dizem, a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde”
Maria Antónia de Almeida Santos
Presidente da comissão parlamentar para a Saúde

“Vamos ter dados que até agora não existiam. Os dados gerados pelos pacientes relativamente ao cancro hereditário ou esporádico neste momento não existem”
Tamara Milagre
Presidente da EVITA Portugal

“A ditadura do Ministério das Finanças é da ordem natural das coisas. A feitura do Orçamento do Estado é a coisa mais complexa que há à face da Terra”
Luís Marques Mendes
Advogado e comentador

Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de julho de 2021

FONTE: EXPRESSO – POR  Francisco de Almeida Fernandes