Por: Dr. Luiz Felipe Carvalho (CRM 26233) – Médico Cirurgião Ortopedista
A transição da ortopedia para uma medicina verdadeiramente regenerativa depende de como modulamos a inflamação no microambiente ósseo e cartilaginoso. O mini-review mais recente da área sintetiza essa virada: terapias celulares funcionam menos como peças de reposição e mais como orquestradoras de sinais que atenuam citocinas pró-inflamatórias, recrutam células residentes e reconstroem tecido por vias parácrinas. No centro estão as mesenchymal stromal cells, seguindo a nomenclatura da ISCT, com perfil imunomodulador e secretor, caracterizáveis por marcadores como CD73, CD90 e CD105 e obtidas de medula óssea, tecido adiposo, líquido sinovial e anexos fetais. Esses atributos explicam respostas clínicas observadas em osteoartrose, defeitos condrais e consolidação óssea difícil, especialmente quando o alvo biológico é corretamente definido antes da entrega celular.
O local de aplicação é determinante para desfecho. Em osteoartrose de joelho, estudos com seguimento de 15 anos mostram que direcionar BMSCs às lesões do osso subcondral reduz artroplastia quando comparado à injeção exclusivamente intra-articular, reforçando a relevância das lesões de medula óssea na progressão e na dor. Isso coloca o laboratório diante de uma demanda prática: preparar produtos celulares consistentes não só em identidade e viabilidade, mas também em propriedades que favoreçam integração em um nicho subcondral inflamado e hipóxico.
Do ponto de vista mecanístico, o eixo TLR3 ilustra a lógica da imunorregulação aplicada. Esse receptor de reconhecimento de padrões, expresso por células imunes e articulares, aciona NF-κB e IRF3. A ativação descontrolada piora a degeneração articular; a modulação dirigida, por outro lado, pode potencializar migração, diferenciação e performance de MSCs, servindo como pré-condicionamento e alvo farmacológico para aumentar eficácia terapêutica. A leitura laboratorial aqui é dupla: rastrear assinaturas de ativação inadequada em amostras do paciente e, em paralelo, explorar pré-condicionamentos controlados que ampliem o potencial regenerativo sem deflagrar inflamação crônica.
A terapêutica celular ortopédica hoje é um guarda-chuva que inclui transplante autólogo de condrócitos, células imunes engenheiradas e iPSCs. Condrócitos expandidos mostram benefício em defeitos focais, mas enfrentam desafios de estabilidade fenotípica e mecânica, o que tem impulsionado o uso de biomateriais e bioimpressão para suporte e integração tecidual. No cenário tumoral, CAR-T, CAR-NK e CAR-macrófagos emergem principalmente contra osteossarcoma, com racional de modular o microambiente e reduzir recidiva. iPSCs oferecem fonte virtualmente ilimitada para cartilagem e osso, porém permanecem dependentes de controles rigorosos de diferenciação e segurança oncológica. Para os laboratórios, isso significa padronização de expansão, qualificação funcional e, quando aplicável, integração a scaffolds ou nanocarreadores que protejam células e direcionem sinais no sítio alvo.
Os principais gargalos são conhecidos: sobrevivência celular em ambientes hostis, engajamento e enxerto no tecido doente, heterogeneidade de fontes e processos, ausência de protocolos universalmente aceitos e barreiras regulatórias. Estratégias complementares têm ganhado espaço, como o uso de exossomos derivados de MSCs para modular polarização macrofágica, hidrogéis e scaffolds para suporte mecânico e entrega dirigida, além de pré-condicionamentos que aumentam a resistência celular ao estresse inflamatório. O laboratório torna-se, assim, coprodutor do resultado clínico ao garantir identidade, potência imunomoduladora e reprodutibilidade do produto final.
Na prática clínica, continuo começando pelo tratamento conservador bem estruturado e reservo a aplicação celular a casos em que haja um alvo biológico definido por imagem e exame físico. Quando indicado, realizo entrega guiada por ultrassom com ênfase no tecido doente, inclusive subcondral quando há lesões de medula óssea. Em tumores, integro a discussão com oncologia e ortopedia oncológica para avaliar o papel de células engenheiradas como adjuvantes. A mensagem para equipes laboratoriais e clínicas é convergente: padronização, controle de qualidade e alinhamento fisiopatológico entre o que se prepara no banco e o que se encontra no leito são os pilares para transformar evidência promissora em benefício consistente para o paciente. Este texto é informativo e não substitui consulta médica individualizada.
Referência (formato APA)
Wang, J., Xu, S., Chen, B., & Qin, Y. (2025). Advances in cell therapy for orthopedic diseases: Bridging immune modulation and regeneration. Frontiers in Immunology, 16, 1567640. [https://doi.org/10.3389/fimmu.2025.1567640](https://doi.org/10.3389/fimmu.2025.1567640)


