A doença de Parkinson é um distúrbio neurológico, crônico e progressivo que prejudica o sistema nervoso central, danificando a movimentação e o equilíbrio. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 8,5 milhões de pessoas no mundo sofriam com a doença, um número alarmante que aumenta a cada ano. Portanto, o desafio dos pesquisadores é encontrar novos tratamentos que ajudem a melhorar a qualidade e a expectativa de vida dos indivíduos com Parkinson.
Um estudo da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), conduzido por Núbia Ribeiro da Conceição e orientado pelo professor Luis Augusto Teixeira, avaliou os efeitos da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) em diferentes intensidades no cerebelo de voluntários com a doença. Trata-se de um tratamento não farmacológico, técnica não invasiva e indolor que utiliza correntes elétricas de baixa potência para aumentar a atividade cerebral.
Ao aplicar o tratamento em pessoas com a doença de Parkinson, os pesquisadores verificaram ganhos de equilíbrio corporal e a ativação do córtex pré-frontal em múltiplas sessões de treinamento de estabilidade combinadas com estimulação transcraniana no cerebelo (ECTCC). O experimento resultou em melhorias do equilíbrio em situações desafiadoras e melhor utilização do córtex cerebral no controle da postura. A conclusão foi que a adição da ECTCC a exercícios motores potencializou os ganhos no desempenho motor em pacientes com a doença.
O cerebelo como ponto de partida
Em relação ao Parkinson, Conceição afirma que “o papel do cerebelo ganhou mais atenção apenas na última década, com evidência de seu envolvimento em sintomas motores e não motores associados à condição”. O cerebelo está diretamente relacionado à coordenação sensório-motora por vias conectadas ao córtex motor, que passam por regiões cerebrais envolvidas na movimentação e que são prejudicadas pela doença.
A pesquisadora afirma que o órgão desempenha um papel crucial no controle motor, na integração sensorial e na coordenação de atividades de diferentes grupos musculares. Portanto, a hipótese levantada foi de que a utilização da estimulação neural, associada a intervenções físicas, aumentaria a conectividade e a ativação das regiões cerebrais responsáveis pelo controle motor, resultando em ganhos de estabilidade do equilíbrio corporal.
Foram recrutadas 46 pessoas de ambos os sexos e com faixa etária entre 50 e 80 anos. Os voluntários foram distribuídos em três grupos: o primeiro recebeu a ECTCC com intensidade de 2mA (miliampère, uma unidade que mede a potência da corrente elétrica, equivalente a um milésimo de ampère); o segundo com 4mA; e o terceiro a ECTCC simulada (sham), isto é, um grupo de controle que não receberia estimulação ativa.
Treinamentos de equilíbrio
Os voluntários fizeram visitas ao laboratório, com análises clínicas e verificação dos critérios de inclusão e também sessões de treinamento e avaliações realizadas antes e depois das sessões de neuroestimulação, que eram associadas ao treinamento de equilíbrio dinâmico. Durante a prática, foram posicionados os eletrodos de estimulação e a touca de neuroimagem, instrumento utilizado para monitorar a atividade neural.
Treinamento pode ter melhorado a utilização da via responsável pela movimentação e a retomada do controle automático da postura – Foto: Núbia Ribeiro da Conceição
Futuro promissor
Para verificar os efeitos progressivos, sessão a sessão, foram realizados testes em superfície maleável que requisitavam controle do equilíbrio estático e dinâmico.
Foram avaliados o controle do equilíbrio corporal através dos dados do centro de pressão coletados pela plataforma de força, além da atividade do córtex pré-frontal durante a execução das tarefas.
Ao final do programa de treinamento, no último dia, a avaliação dos ganhos cumulativos foi realizada com tarefas em superfície rígida, requisitando novamente o controle em postura quieta e dinâmica sobre a plataforma de força.
Após análise dos resultados, a pesquisadora concluiu que a utilização da neuroestimulação durante seis sessões de treinamento de equilíbrio dinâmico potencializou os benefícios da intervenção motora em pessoas com a doença de Parkinson em comparação àqueles que não receberam a estimulação ativa. Destaca-se, ainda, que a ECTCC de 4mA produziu efeitos positivos em maior magnitude e mais rapidamente do que o grupo que recebeu a intensidade de 2mA.
“Acreditamos que a intensidade de 4mA foi mais efetiva em excitar as conexões intracerebelares, tendo em vista que o predomínio de distúrbios posturais e locomotores na doença de Parkinson parecem estar associados a uma conectividade intracerebelar diminuída”, afirma Conceição. A pesquisadora explica que a intensidade de 4mA pode ter promovido maiores ativações e conexões das vias cerebelares ligadas ao córtex motor, ocasionando uma coordenação sensório-motora mais eficaz e fortalecida.
Os dados também indicaram que a ECTCC, associada às intervenções físicas, pode ter melhorado a utilização da via responsável pela movimentação e a retomada do controle automático da postura, uma vez que diminuiu a ativação do córtex pré-frontal, que atua com recursos de atenção e raciocínio para compensar os comprometimentos de controle do equilíbrio ocasionados pela redução da automaticidade. Sendo uma técnica que não causa desconforto ou efeitos adversos significativos, a ECTCC mostrou-se segura e eficiente – uma ferramenta complementar, ajudando em ganhos mais expressivos e de maneira mais rápida.
O trabalho, intitulado Efeitos de múltiplas sessões de estimulação cerebelar transcraniana por corrente contínua durante treinamento de equilíbrio dinâmico sobre ganhos de equilíbrio corporal e ativação cortical em pessoas com doença de Parkinson pode ser acessado na íntegra no Banco de Teses da USP por meio deste link.
*Estagiária sob supervisão de Paula Bassi. Adaptado para o Jornal da USP
Da Seção de Relações Institucionais e Comunicação da EEFE
Matéria – Jornal da USP
Texto: Livia Borges*
Arte: Simone Gomes