Por: Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues – Pós PhD em Neurociências especialista em Genômica.
A enxaqueca é uma cefaleia primária de caráter incapacitante, caracterizada por disfunção em circuitos sensoriais e neurotransmissores específicos. No contexto do *Transtorno do Espectro Autista (TEA)*, há evidências emergentes sugerindo que a enxaqueca pode ser mais frequente em indivíduos autistas, com uma possível predominância em mulheres, apesar da maior incidência do TEA em homens (Alsaad, 2024; Vetri, 2020).
Predominância em Mulheres Autistas
A enxaqueca, na população geral, apresenta forte viés sexual, sendo aproximadamente três vezes mais prevalente em mulheres devido a oscilações hormonais, especialmente nas flutuações do estrogênio (Sullivan et al., 2014). No contexto do TEA, estudos como o de Sahito (2021) indicam uma base genética compartilhada entre enxaqueca e TEA, destacando mutações em genes relacionados à neurotransmissão serotoninérgica e canais de cálcio, como CACNA1A HTR2A, que regulam a excitabilidade neuronal e podem predispor tanto ao autismo quanto à enxaqueca.
Mulheres autistas podem ser mais propensas à enxaqueca por dupla vulnerabilidade biológica: primeiro, pelo próprio risco aumentado do sexo feminino para cefaleias primárias; segundo, porque o fenótipo autista feminino frequentemente envolve hiper-reatividade sensorial e maior disfunção da regulação dopaminérgica e serotoninérgica, fatores associados à cronificação da enxaqueca (Vetri, 2020).
Neurobiologia da Enxaqueca no TEA
A enxaqueca no TEA pode ser explicada por disfunções nas redes talamocorticais e no eixo tronco encefálico-córtex sensorial, além de processos neuroinflamatórios. Estudos de neuroimagem revelam hiperatividade no córtex somatossensorial e giro do cíngulo anterior, regiões envolvidas na modulação da dor e que frequentemente apresentam disfunções no TEA (Canitano & Schröder, 2017).
Além disso, há evidências de que indivíduos autistas apresentam diminuição da densidade de interneurônios inibitórios GABAérgicos, particularmente na córtex pré-frontal e no córtex insular, resultando em menor capacidade de modulação da dor e maior vulnerabilidade a crises de enxaqueca. O sistema dopaminérgico e serotoninérgico, ambos implicados na regulação da percepção sensorial e na plasticidade sináptica, também sofrem alterações, contribuindo para a susceptibilidade à enxaqueca (Sahito, 2021; Sullivan et al., 2014).
Prevalência da Enxaqueca em Autistas
Os dados sobre a prevalência de enxaqueca em indivíduos autistas são limitados, mas estudos indicam que cerca de 20 a 35% das pessoas com TEA podem sofrer de enxaqueca recorrente, um percentual superior ao da população geral (Alsaad, 2024). Em crianças autistas, enxaquecas podem ser subdiagnosticadas devido à dificuldade de relatar sintomas e à expressão atípica da dor, que pode se manifestar por alterações comportamentais em vez de queixas verbais diretas (Victorio, 2014).
Conclusão
A interseção entre autismo e enxaqueca envolve uma complexa interação de fatores genéticos, neuroquímicos e hormonais. A predominância em mulheres pode estar associada tanto a mecanismos hormonais quanto a diferenças estruturais no sistema de modulação da dor. A presença de disfunções no tálamo, córtex somatossensorial, giro do cíngulo e interneurônios GABAérgicos fortalece a hipótese de que a enxaqueca em indivíduos autistas resulta de um desequilíbrio na excitação/inibição neuronal. Dada a alta prevalência e o impacto funcional da enxaqueca nessa população, a detecção precoce e estratégias terapêuticas direcionadas são essenciais para melhorar a qualidade de vida desses indivíduos.
Referências (ABNT)
ALSAAD, A. Autism and Migraine: A Narrative Review. Cureus, v. 16, 2024. Disponível em: [https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39449896/](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39449896/). Acesso em: 08 fev. 2025.
CANITANO, R.; SCHRÖDER, C. Headache in Autism Spectrum Disorders. In: Handbook of Clinical Neurology, 2017, p. 153-161. DOI: [10.1007/978-3-319-54726-8_14](https://doi.org/10.1007/978-3-319-54726-8_14).
SAHITO, A. Migraine and Autism Spectrum Disorder: A Shared Hereditary Basis. Neuropsychiatric Disease and Treatment, v. 17, p. 1733-1734, 2021. DOI: [10.2147/NDT.S320822](https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34123208/).
SULLIVAN, J. C. et al. The presence of migraines and its association with sensory hyperreactivity and anxiety symptomatology in children with autism spectrum disorder. Autism, v. 18, n. 6, p. 743-747, 2014. DOI: [10.1177/1362361313489377](https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1362361313489377).
VETRI, L. Autism and Migraine: An Unexplored Association?. Brain Sciences, v. 10, 2020. DOI: [10.3390/brainsci10090615](https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7565535/).