Uma mente hiperlúcida pode adoecer em silêncio.
No universo da superdotação profunda, casos raros em que o quociente intelectual ultrapassa 145 pontos, ou 3 desvios padrão da média, há um paradoxo clínico pouco discutido: o sujeito cognitivamente hiperativo, mas emocionalmente inibido. Essa é a base da chamada depressão funcional, um estado de esgotamento neuropsicológico em que a mente continua operando com alta performance, mas o sujeito perde a capacidade de engajamento emocional com a própria experiência de vida.
Segundo o neurocientista Dr. Fabiano de Abreu Agrela, que participa de um estudo avançado sobre o tema no Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH), “a depressão funcional nos superdotados não paralisa o pensamento, ela o isola”. A condição é marcada por um tipo de dissociação interna: o pensamento continua a operar em alta velocidade, mas desprovido de vitalidade afetiva.
O que é depressão funcional?
Diferente da depressão clínica clássica, que compromete a execução das tarefas básicas do cotidiano, a depressão funcional mantém a funcionalidade superficial, o sujeito levanta, trabalha, pensa, tem criatividade, entrega, mas o faz sem conexão subjetiva real. Como se o corpo agisse por obrigação, enquanto o self emocional permanecesse suspenso, desmotivado ou silencioso, mesmo sem interferir diretamente na inteligência afetiva, que está relacionada à empatia, pelo fato de acionar ainda mais o instinto de sobrevivência e reflexão sobre a vida e a morte.
No caso dos superdotados, esse fenômeno é amplificado por uma hiperatividade do córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL), que, ao tentar conter a intensidade emocional derivada de uma amígdala hiperreativa, entra em sobrecarga contínua. A consequência é uma sensação de “exaustão lúcida”: o sujeito pensa, mas sente pouco; age, mas sem entusiasmo; imagina, mas com desalento.
Bases neurobiológicas: o preço da lucidez
No cérebro do superdotado funcionalmente deprimido, observamos três marcadores neuroquímicos e estruturais centrais:
1 – Cortisol elevado: provocado por estresse crônico, reduz a plasticidade sináptica e afeta o hipocampo, essencial para o processamento emocional.
2 – Glutamato em excesso: promove toxicidade neuronal e impede a recuperação energética do CPFDL.
3 – Dopamina instável: aumenta a sensibilidade à frustração, uma vez que a recompensa subjetiva não acompanha o esforço cognitivo investido.
“É como se o cérebro funcionasse como uma empresa altamente produtiva, mas onde ninguém mais acredita no propósito do que faz”, ilustra Dr. Fabiano.
Sintomas invisíveis, impacto devastador
Os sinais mais frequentes entre superdotados com depressão funcional incluem:
•Perda de prazer (anedonia) mesmo em atividades anteriormente motivadoras.
•Ruminação constante sem desfecho prático (paralisia analítica).
•Oscilações emocionais rápidas entre entusiasmo e apatia.
•Sensação crônica de inadequação, apesar de conquistas objetivas.
•Desligamento afetivo em interações sociais.
É uma condição que, frequentemente, passa despercebida por profissionais de saúde não familiarizados com os perfis de alta capacidade intelectual. “O superdotado funcionalmente deprimido não pede ajuda com clareza. Ele escreve sobre seus sintomas em forma de tese ou projeto. É preciso aprender a ler esse código”, pontua o neurocientista.


