Um estudo inovador, publicado na revista internacional Autoimmunity Reviews (Volume 24, Issue 3), revela novas conexões entre anormalidades cromossômicas e doenças autoimunes, com destaque para a mutação do cromossomo 18p. A pesquisa buscou documentar e divulgar a relação entre alterações cromossômicas e a autoimunidade, com o objetivo de identificar marcadores genéticos que possam ajudar no diagnóstico precoce dessas condições e na criação de terapias mais eficientes. Intitulado “Chromosome aberrations and autoimmunity: Immune-mediated diseases associated with 18p deletion and other chromosomal aberrations”, o trabalho é uma colaboração entre pesquisadores do Grupo Fleury e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O estudo é baseado na análise clínica, citogenética e genômica de uma jovem paciente com uma apresentação clínica complexa desde a infância, caracterizada por baixa estatura, alterações dismórficas, déficit de desenvolvimento neurológico, infecções de repetição e diversas manifestações autoimunes/autoinflamatórias, tais como artrite, vasculite no sistema nervoso central, febre recorrente injustificada e fenômeno de Raynaud. Esse tipo de cenário clínico remete à possibilidade de enfermidades de origem genética. A metodologia para avaliação do caso combinou técnicas avançadas de citogenética, microarray genômico e imunologia.
Os resultados do estudo identificaram ausência de linfócitos B e diminuição acentuada dos linfócitos T CD4+. A análise genômica evidenciou deleção extensa no braço curto do cromossomo 18 (del 18p), o que causaria a ausência de vários genes que estariam nessa região cromossômica, incluindo alguns fundamentais no controle do sistema imunitário e, consequentemente, levando à predisposição a doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide. Além disso, o artigo chama a atenção para outras anormalidades cromossômicas descritas previamente como fatores de risco para o desenvolvimento de condições autoimunes, tais como a deleção da banda 11 do braço longo do cromossomo 22 (del 22q11 ou síndrome de DiGeorge) e alterações nos cromossomos sexuais (X e Y).
A deleção do cromossomo 18p é uma condição genética rara em que uma parte do cromossomo 18 está ausente. Deleções cromossômicas implicam na ausência dos genes e, portanto, podem levar a uma variedade de manifestações clínicas. No caso da deleção do 18p, pode haver atraso no desenvolvimento neurológico, acarretando deficiência intelectual, anomalias craniofaciais e déficit de crescimento. A ausência de certos genes nesta região pode afetar o funcionamento normal do sistema imunológico, aumentando a predisposição para imunodeficiência, imunodesregulação e doenças autoimunes.
As doenças autoimunes compreendem uma vasta gama de condições clínicas, como lúpus eritematoso sistêmico (LES), artrite reumatoide, tireoidite de Hashimoto, diabetes mellitus tipo 1, doença celíaca, etc. A autoimunidade pode envolver múltiplos órgãos e sistemas, tais como pele, articulações, rins, sistema nervoso, pulmões e glândulas endócrinas e exócrinas.
“Os achados do presente caso clínico nos permitem entender melhor os mecanismos genéticos subjacentes às doenças autoimunes e, assim, aprimorar as estratégias de diagnóstico e tratamento”, explica um dos coautores, o consultor médico em Reumatologia do Grupo Fleury, professor associado na Disciplina de Reumatologia e chefe do Laboratório de Imuno-Reumatologia da Unifesp, Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade.
Em especial, este estudo expande o conhecimento sobre as bases genéticas e interações entre as doenças imunodesreguladoras primárias, imunodeficiências e doenças autoimunes. Enquanto o papel de mutações gênicas específicas no desencadeamento dessas enfermidades está bem estabelecido, não há um conhecimento amplo sobre a importância das deleções cromossômicas nessa área. A pesquisa oferece insights valiosos para a prática clínica, pois os exames para identificação de deleções cromossômicas são distintos daqueles usados para identificação de mutações gênicas. “Este estudo nos fornece uma base sólida para desenvolver abordagens mais personalizadas no manejo de pacientes com doenças autoimunes, levando em consideração suas características genéticas específicas e salientando a possibilidade de anormalidades cromossômicas,” explica o coautor consultor médico de Reumatologia do Grupo Fleury, Dr. Sandro Félix Perazzio, também professor afiliado e chefe do Ambulatório de Imunodesregulação da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina, Unifesp.