Imagine pegar um punhado de células humanas de diferentes tipos e, após uma série de procedimentos, transformá-las num órgão em miniatura, que funciona de verdade e pode ser observado a olho nu.
Saiba que isso já é possível nos dias de hoje: os miniórgãos (ou organoides, nome preferido entre os cientistas) são uma ferramenta poderosa, que ajuda a entender como o Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual, provoca danos em diferentes partes do nosso corpo.
Graças a essa tecnologia, os especialistas avaliaram diversos tratamentos possíveis e entenderam rapidamente que a covid-19 não era apenas uma doença que atingia o sistema respiratório, mas tinha repercussões no coração, no intestino, nos rins e até no cérebro.
Mas, afinal, como se cria um miniórgão? E quais as vantagens que ele traz em comparação com outros métodos mais antigos, como culturas de células e cobaias?
Já um trabalho feito na Unicamp avaliou a presença do coronavírus nos astrócitos, um tipo de célula do sistema nervoso. “A invasão viral parece modificar a forma como essas unidades produzem energia, o que impacta o funcionamento dos neurônios”, resume Souza.
Essa ação da covid-19 na massa cinzenta pode ser um caminho para explicar os sintomas neurológicos da doença, que chegam a acometer até 30% dos pacientes. Entre as manifestações mais comuns nesta região do corpo estão a perda ou o enfraquecimento de sentidos como olfato e paladar e o aparecimento de quadros de ansiedade e depressão.
Vale mencionar, no entanto, que essa é uma área em constante evolução. As pesquisas são realizadas neste exato momento e é possível que apareçam novidades num futuro próximo.
Os limites
Apesar de tantas vantagens, os organoides não são perfeitos e não permitem encontrar todas as respostas. “Essa é uma área que dá seus primeiros passos e enfrenta desafios importantes. Muitas dessas estruturas são feitas com células que ainda estão imaturas, o que significa que elas não são 100% comparáveis com os órgãos de um adulto”, avalia Núria Montserrat Pulido, professora do Instituto de Bioengenharia da Catalunha, na Espanha.
A bioquímica Shuibing Chen, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, destaca a grande variabilidade entre os modelos de miniórgãos usados pelos grupos de pesquisa. “É preciso padronizar esse material para entender as aplicações de nossos esforços no mundo real”, conta.
O investimento financeiro é outra barreira a ser considerada neste contexto. “Os materiais que usamos são caros e estamos trabalhando para criar sistemas custo-efetivos”, completa Chen.
Souza destaca mais um impeditivo: os miniórgãos (ainda) são estruturas isoladas, que não interagem com outros sistemas que compõem o corpo humano. Com isso, não é possível entender como os efeitos do coronavírus nos rins, por exemplo, repercutem no coração ou no intestino. “Quem sabe no futuro não tenhamos diferentes organoides conectados, de maneira que eles interajam no laboratório?”, vislumbra.
Se, em seus primeiros passos, os organoides já proporcionaram tanto conhecimento, imagine o que eles poderão fazer quando forem aperfeiçoados.
Com informações de André Biernath – Da BBC News Brasil em São Paulo