AUTISMO NÍVEL 2 E 3 OU DEFICIÊNCIA INTELECTUAL? UMA DISTINÇÃO ESSENCIAL NA CLÍNICA CONTEMPORÂNEA

Por Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues

Introdução

Na prática clínica contemporânea, torna-se cada vez mais necessário distinguir entre os níveis 2 e 3 do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a Deficiência Intelectual (DI). A sobreposição fenotípica entre essas condições, aliada à precariedade diagnóstica em muitos sistemas de saúde, tem gerado não apenas confusão conceitual, mas também decisões terapêuticas equivocadas. Esta reflexão parte de um ponto de vista neurocientífico e genético, mas com sensibilidade para os efeitos psicossociais da rotulação diagnóstica.

 

O ponto de interseção: limiares funcionais, não apenas QI

Tradicionalmente, a deficiência intelectual é diagnosticada por um QI abaixo de 70, associado a prejuízo significativo no funcionamento adaptativo. No entanto, o QI, isoladamente, não dá conta da complexidade do funcionamento cognitivo e emocional do indivíduo (Goriounova; Mansvelder, 2019). Autistas com níveis de suporte 2 ou 3, mesmo com QI abaixo da média, frequentemente demonstram picos de habilidade em áreas específicas – evidência de um padrão heterogêneo de inteligência, não compatível com o perfil homogêneo da DI.

A inteligência, como propõe o modelo DWRI (Desenvolvimento de Amplas Regiões de Interferência Intelectual), deve ser compreendida em sua estrutura funcional e não apenas quantitativa. Há autistas com inteligência sináptica preservada, mas bloqueios no eixo intersubjetivo e na regulação emocional (RODRIGUES, 2023) .

 

Aspectos neurobiológicos distintos

Do ponto de vista estrutural, estudos de neuroimagem e genética demonstram que a arquitetura cerebral do autismo apresenta alterações em regiões como o córtex pré-frontal medial e a junção temporoparietal – áreas associadas à teoria da mente e empatia – enquanto na DI há prejuízos difusos mais associados à plasticidade sináptica, mielinização e volume hipocampal (Baade; Schoenberg, 2004) .

Além disso, o autismo, mesmo nos níveis mais altos de suporte, costuma apresentar padrões específicos de conectividade funcional: hiperconectividade local e hipoconectividade de longa distância, sugerindo um cérebro funcionalmente “isolado”, porém altamente ativo em determinados circuitos (DWRI, 2023) . Já na DI, observa-se hipoatividade generalizada, refletindo limitações cognitivas mais amplas.

 

Implicações clínicas e éticas

Confundir autismo nível 3 com deficiência intelectual pode implicar em subestimar as possibilidades cognitivas do indivíduo, inviabilizando intervenções mais sofisticadas como comunicação alternativa, estímulos visuais complexos e até abordagens tecnológicas com base em neurofeedback. Um diagnóstico mal formulado cristaliza um destino, quando a plasticidade cerebral e os avanços terapêuticos apontam para trajetórias reconfiguráveis.

Diagnosticar corretamente não é apenas uma questão técnica – é uma questão de justiça epistêmica. É conceder ao indivíduo a possibilidade de ser compreendido por sua verdadeira estrutura neurológica e funcional, e não apenas por sua resposta comportamental imediata.

 

Conclusão

Autismo nível 2 e 3 não equivalem, necessariamente, a deficiência intelectual. O desafio contemporâneo é refinar os critérios diagnósticos com base na neurociência funcional e nas evidências genéticas, evitando simplificações e estigmas. A clínica deve migrar de uma lógica classificatória para uma lógica interpretativa, onde a singularidade do funcionamento cerebral é o ponto de partida, e não o desvio de uma média estatística.

 

Referências ABNT

GORIOUNOVA, Natalia A.; MANSVELDER, Huibert D. Genes, Cells and Brain Areas of Intelligence. Frontiers in Human Neuroscience, v. 13, p. 44, 2019. DOI: https://doi.org/10.3389/fnhum.2019.00044.

RODRIGUES, Fabiano de Abreu Agrela. Neurobiologia e Fundamentos da Inteligência DWRI. 2023.

BAADE, Lyle E.; SCHOENBERG, Mike R. A proposed method to estimate premorbid intelligence utilizing group achievement measures. Archives of Clinical Neuropsychology, v. 19, p. 227–243, 2004.