Estima-se que até 2050 a incidência de mortes por bactérias multirresistentes vai superar a de mortes por câncer. O alerta, emitido recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) foi repetido pelo infectologista Dr. Marcos Antônio, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), durante o 53º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, realizado no Rio de Janeiro entre 24 e 27 de setembro.
Segundo estimativas, a infecção por bactérias multirresistentes será responsável pela morte de aproximadamente 10 milhões de pessoas por ano e o câncer, por cerca de 8 milhões. O impacto financeiro da proliferação das superbactérias também será alto. De acordo com estudos recentes, o custo acumulado pode chegar a 100 trilhões dólares.
O aumento de micro-organismos multirresistentes preocupa a comunidade científica, principalmente pela capacidade de adaptação de bactérias, protozoários e fungos às mudanças do meio ao qual estão expostos.
“As bactérias habitam a Terra há 3,7 bilhões de anos. No corpo humano existem mais micro-organismos do que células”, explicou o Dr. Marcos Antônio.
Segundo o infectologista, embora, na maior parte do tempo, a relação entre seres humanos e micróbios seja pacífica, ao longo das últimas décadas houve um salto no número de bactérias resistentes a antibióticos. Em 2019, o combate antimicrobiano entrou na lista de 10 prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para o médico, uma das explicações para o avanço das superbactérias é a utilização indiscriminada de antibióticos pela indústria alimentícia, que muitas vezes administra/pulveriza medicamentos a fim de evitar possíveis doenças e de otimizar o desenvolvimento de plantas e animais.
Devido à grande exposição aos antimicrobianos, animais e plantas utilizados para consumo humano eventualmente desenvolvem bactérias com genes resistentes a esses antibióticos, que apresentam fórmulas químicas semelhantes às usadas na produção de antibióticos para seres humanos. Diante desse quadro, a transmissão de bactérias multirresistentes pode ocorrer por meio da ingestão de alimentos, contato direto com animais e até no ambiente compartilhado.
Para o infectologista, a velocidade do desenvolvimento e da disseminação de micróbios e genes resistentes a partir da interação (e intervenção) de (com) seres humanos é o fator responsável pela dificuldade no tratamento de micro-organismos multidrogas resistentes.
Ainda de acordo com o Dr. Marcos Antônio, a indústria farmacêutica mundial produz 100 mil toneladas de antibióticos por ano, e apenas 30 mil toneladas são para consumo humano – as outras 70 mil toneladas são destinadas à agropecuária. No Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) disponibiliza as listas de aditivos aprovados e proibidos para uso na alimentação animal. Curiosamente, a espiramicina aparece nas duas.
O especialista lembrou que os antibióticos não são usados apenas na produção de ração de animais de abate. Segundo O Dr. Marcos Antônio, na agricultura, é comum o uso de levamisol, florfenicol e trimetropim no cultivo da alface, e de tetraciclina nas plantações de tomate e pimentas, e de estreptomicina no cultivo de plantas ornamentais.
Aquecimento global também contribui
Um artigo publicado no site da American Society for Microbiology considera a influência do aquecimento global no surgimento do fungo multirresistente conhecido como Candida auris. Para os cientistas, o micro-organismo “pode ser o primeiro exemplo de uma nova doença fúngica que surgiu devido a mudanças climáticas”.
Ainda de acordo com os pesquisadores, o aumento na temperatura do planeta diminuiria a barreira térmica que dificulta o desenvolvimento de patógenos fúngicos em mamíferos. Dessa forma, a adaptação da Candida auris ao aumento das temperaturas pode ter facilitado para o fungo encontrar no corpo humano um ambiente favorável.
O Dr. Marcos Antônio ressaltou que a comunidade médica também deve modificar posturas dentro dos hospitais e laboratórios em relação ao diagnóstico e à utilização de antimicrobianos. O especialista apontou que o médico deve tratar a infecção e não a colônia de patógenos. De acordo com o profissional, outro aspecto importante é saber interromper o tratamento, suspendendo o uso de antibióticos quando o paciente não apresentar mais o quadro infeccioso.
No Brasil, a implementação do Brazilian Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing (BrCAST) tem sido considerada um marco regulatório positivo na luta contra a multirresistência de micro-organismos aos antibióticos. As palavras do Dr. Alberto Chebabo, infectologista e membro da diretoria do BrCAST, reforçam a importância da iniciativa: “Pela primeira vez na história do país temos uma padronização para testes de sensibilidade”, afirmou durante a apresentação no congresso.
A plataforma foi adotada pelo Ministério da Saúde, e a medida foi publicada no Diário Oficial em dezembro de 2018. O documento afirma que todos os laboratórios – públicos e privados – de todas as unidades federativas devem adotar os parâmetros da versão brasileira do European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing (EUCAST).
“Antigamente, cada laboratório decidia qual parâmetro de interpretação dos testes de sensibilidade usaria. Muitos usavam documentos desatualizados ou seguiam apenas a nota técnica publicada em 2010 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esse tipo de postura, com certeza, impactava na qualidade do diagnóstico e tratamento de pacientes com infecção causada por bactérias, fungos ou protozoários”, disse o infectologista.
Para o Dr. Alberto, o método utilizado no EUCAST é o que oferece mais segurança para o paciente, mas padronizar as normas não significa copiar os parâmetros europeus. O objetivo do BrCAST é desenvolver pontos de corte baseados nos dados de resistência encontrados na realidade brasileira, por meio de testes clínicos e farmacocinéticos.
Com informações de Medscape.


