Ataxia de Friedreich: Cidade do PI tem 30 casos confirmados e 20 suspeitos de doença rara. O que explica?

A condição é fundamentalmente genética e afeta vários órgãos do corpo, o tratamento melhora a qualidade de vida, mas não cura a doença, explica o Pós PhD em neurociências, Dr. Fabiano de Abreu Agrela

Uma cidade de pouco mais de 6 mil habitantes, no sul do Piauí, chamou a atenção da comunidade médica nacional. Acauã registrou 30 casos confirmados e 20 suspeitos de ataxia de Friedreich, uma doença rara, hereditária e degenerativa que afeta a coordenação motora e o sistema nervoso.

A prevalência é tão alta que um dos diagnosticados é o próprio prefeito do município, Reginaldo Rodrigues (PSD).

O que é a ataxia de Friedreich?
A ataxia de Friedreich é considerada uma doença rara e atinge cerca de 800 pessoas em todo o Brasil, de acordo com algumas estimativas médicas.

A doença provoca perda progressiva da coordenação dos movimentos, fala arrastada e fraqueza muscular, mas também compromete o coração, ossos e até células do pâncreas, podendo causar diabetes e problemas cardíacos graves.

Origem genética explica concentração de casos
O Pós PhD em neurociências, Dr. Fabiano de Abreu Agrela, explica que a condição é genética recessiva, o que ajuda a compreender o número expressivo de casos em uma mesma localidade.

“A ataxia de Friedreich é uma doença hereditária, o que significa que a pessoa precisa herdar o gene alterado do pai e da mãe para que a condição se manifeste. Em regiões pequenas, onde há casamentos entre parentes próximos, a chance dessa combinação aumenta consideravelmente”, explica o neurocientista.

A doença surge a partir de mutações no gene FXN, responsável pela produção da proteína frataxina, essencial para o funcionamento das mitocôndrias, as estruturas celulares que geram energia. A deficiência dessa proteína leva à degeneração de neurônios da medula espinhal e do cerebelo, comprometendo progressivamente a coordenação motora e o equilíbrio.

“O paciente começa com pequenas dificuldades para correr, andar ou se equilibrar. Com o tempo, os movimentos finos, como escrever ou se alimentar, tornam-se desafiadores, e muitos acabam precisando de cadeira de rodas”, acrescenta o Dr. Fabiano.

Realidade desafiadora em Acauã
O caso da dona de casa Eliene Barbosa ilustra bem a realidade dos pacientes da região. Ela percebeu os primeiros sintomas ainda na adolescência, mas o diagnóstico só veio anos depois.

“Desde muito cedo eu percebi que tinha dificuldade de caminhar e correr. Fui criada sabendo que nossos antepassados tinham isso, mas ninguém tinha coragem de me dizer”, conta Eliene.

Apesar da confirmação da doença, ela ainda não conseguiu iniciar o tratamento fisioterapêutico, essencial para preservar a mobilidade, por falta de estrutura local. Segundo o secretário municipal de Saúde, Joaquim Rodrigues, Acauã conta com fisioterapeutas e psicólogos, mas o sistema enfrenta limitações e depende de apoio estadual e federal para ampliar o atendimento.

O prefeito Reginaldo Rodrigues, primeiro a receber o diagnóstico na cidade, acredita que a própria visibilidade do caso ajudou na conscientização.

“Quando eu descobri, comecei a buscar informação e trouxe médicos de Teresina. Isso fez com que mais pessoas entendessem o que sentiam e buscassem diagnóstico”, relata.

Avanços no tratamento
Apesar de não ter cura, um novo medicamento aprovado pela Anvisa em abril trouxe esperança aos pacientes. O remédio, que pode custar até R$ 500 mil por caixa, retarda a progressão da doença e melhora a coordenação motora. Ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), mas há um projeto em tramitação para sua inclusão.

Para o Dr. Fabiano de Abreu Agrela, um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Relatório Genético GIP, que avalia através da análise dos genes características como longevidade e predisposição a doenças, como o Alzheimer, o avanço na busca de medicações é importante, mas o foco deve continuar sendo a melhoria da qualidade de vida.

“Enquanto a cura ainda é uma meta distante, usar os recursos que temos à mão como fisioterapia, acompanhamento neurológico e suporte psicológico são fundamentais para desacelerar os sintomas e preservar a autonomia do paciente”, ressalta.