Por Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues – Pós PhD em Neurociências, Membro da Society for Neuroscience, Sigma Xi e Royal Society of Biology
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Vivemos a era da hiperconectividade. O simples gesto de deslizar o dedo na tela se tornou um comportamento automático, onipresente e socialmente aceito. No entanto, essa nova forma de interação digital tem moldado nossos cérebros de maneiras ainda não totalmente compreendidas, mas cada vez mais evidentes no campo da neurociência comportamental. Os sintomas decorrentes do uso excessivo das redes sociais muitas vezes simulam os de transtornos psiquiátricos clínicos, como o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno Bipolar e Transtorno de Personalidade Antissocial (sociopatia).
Não se trata de diagnóstico. Trata-se de comportamentos funcionais que se tornam disfuncionais quando repetidos em excesso e fora do contexto natural do desenvolvimento humano. A plasticidade cerebral, ao mesmo tempo em que nos permite adaptar, também nos transforma — para o bem e para o mal.
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O Dopaminismo Digital: Um Padrão de Recompensa Artificial
As redes sociais operam através de reforçadores positivos instantâneos. Cada curtida, comentário ou visualização ativa o sistema dopaminérgico de recompensa — especialmente o núcleo accumbens, tal como ocorre com drogas ou jogos de azar. O efeito? Um cérebro treinado a buscar gratificação constante, perdendo a tolerância ao tédio, à espera e à monotonia do mundo real.
Esse ciclo reforça padrões similares ao TDAH: distração contínua, impulsividade e busca incessante por estímulo. Crianças e adolescentes que deveriam desenvolver atenção sustentada são prematuramente expostos à gratificação imediata, o que interrompe o amadurecimento pleno do córtex pré-frontal dorsolateral, região essencial para o controle inibitório, planejamento e foco.
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A Bipolaridade do Engajamento
O ciclo emocional vivido nas redes — euforia por validação e desânimo por rejeição — mimetiza os polos da bipolaridade. Os picos de interação geram excitação, autoestima elevada e sensação de importância. A ausência de resposta ou comparação social gera apatia, irritabilidade e desvalorização pessoal. Essa oscilação emocional, ainda que não patológica, simula um ciclo afetivo hipomaníaco-depressivo, com impactos reais na saúde mental.
Além disso, o córtex orbitofrontal, responsável pela regulação emocional e julgamento social, tende a ser sobrecarregado com estímulos contraditórios, o que pode gerar distorções na percepção de valor próprio e na estabilidade emocional.
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Narcisismo e a Sociopatia Digitalizada
Nas redes, a performance se sobrepõe à autenticidade. A constante exposição de si e o valor atribuído à aparência e ao engajamento reforçam comportamentos narcisistas. Em casos extremos, observamos traços sociopáticos funcionais: falta de empatia, objetificação do outro, manipulação emocional e desinibição moral.
Essa ausência de freios sociais — típica do anonimato ou da lógica de “likes” — está relacionada a uma desconexão funcional entre a amígdala, responsável pela empatia emocional, e o córtex cingulado anterior, essencial para o controle ético das ações.
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A Inteligência e o Perigo da Simulação de Transtornos
É necessário frisar: não estamos diante de uma epidemia clínica, mas de uma epidemia funcional. O excesso de estímulo digital produz alterações no comportamento que se parecem com doenças psiquiátricas — mas são, na verdade, produtos do ambiente.
A verdadeira inteligência, como venho defendendo na teoria DWRI (Development of Wide Regions of Intellectual Interference), depende da integração entre cognição lógica, inteligência emocional e social. O desequilíbrio gerado pelo digitalismo exagerado rompe essa integração, prejudicando a capacidade de introspecção, empatia e julgamento.