Por José de Souza Andrade-Filho*
As anomalias congênitas não são raras no ser humano, principalmente em certos órgãos ou sistemas, como o cardiovascular e nervoso central. Uma das mais frequentes é a anencefalia, que é incompatível com a vida e caracteriza-se a pela ausência da maior parte das estruturas encefálicas: hemisférios cerebrais, cerebelo e tronco cerebral apenas rudimentar. Faltam também os ossos da abóbada craniana (acrania), que permanece aberta e desprovida de pele na parte superior. Aderida à base do crânio, há massa irregular de tecido nervoso residual e de estruturas vasculares rudimentares. Os olhos são afastados e protrusos, e as órbitas prolongam-se diretamente para a base do crânio. Este conjunto confere à face do feto uma aparência denominada “aspecto de batráquio” (face de batráquio ou de sapo). Foto 1 (um).
A anencefalia surge entre 1(um) a 5 por 1000 nascidos vivos, mais frequentemente em meninas, e acredita-se que ocorra por volta do 20º dia da gestação. De acordo com vários autores, sua taxa de recorrência global em gestações subsequentes foi estimada em 4% a 5%, sendo a deficiência de ácido fólico durante as primeiras semanas de gestação um fator de risco. Trata-se de defeito do fechamento da porção anterior do tubo neural do embrião, com alterações secundárias diversas, tais como desenvolvimento incompleto do crânio, fenda palatina e frequentes anormalidades nas vértebras cervicais. Muitas vezes a anencefalia associa-se a outras anomalias em órgãos distintos, como dos sistemas osteoarticular, renal e cardiovascular.
Os anuros constituem uma ordem de animais pertencentes à classe Amphibia, que inclui sapos, rãs e pererecas. Ainda que se possam estabelecer algumas diferenças entre sapos e rãs, estas diferenças não são utilizadas pelos cientistas na sua classificação. O seu nome vem do grego, significando ‘sem cauda’.
A maioria dos anuros são caracterizados por longas patas posteriores, corpo curto, membranas interdigitais, ausência de cauda, cabeça achatada e olhos protuberantes, o que motivou a semelhança com o rosto do feto anencéfalo.
A anencefalia tem sido motivo de questionamentos jurídicos. O Supremo Tribunal Federal decidiu por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime.
O código penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo.
De um juiz: Aborto é crime contra a vida. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto é biologicamente vivo, mas juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. A anencefalia é incompatível com a vida. Opinião de outro juiz: um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor.
Apesar de alguns indivíduos com anencefalia poderem viver por minutos, a falta de um cérebro descarta completamente qualquer possibilidade de haver consciência.
A decisão do STF permitiu a interrupção de gravidez em casos de anencefalia.
- Fontes diversas e anencefalia e anomalias congênitas: contribuição do patologista ao Poder Judiciário. Luciana de Paula Lima Gazzola, Frederico Henrique Corrêa de Melo. Revista Bioética. Vol. 23, n. 3 (2015).
- Imagem: Museu de Patologia (FCMMG)
*José de Souza Andrade-Filho – Patologista no Hospital Felício Rocho-BH; membro da Academia Mineira de Medicina e Professor de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.