O trabalho de Lilia Barbosa, “Os demônios da ficção: crítica, estética e política na obra de Mario Vargas Llosa”, investiga a poética de Mario Vargas Llosa através de sua teoria dos “demônios”, relacionando-a com a construção de mundos ficcionais que desafiam a intersecção entre realidade e invenção. O estudo, publicado no Open Minds International Journal, volume 6, número 1, em 2025, utiliza conceitos como “realidade real” e “realidade fictícia”, desenvolvidos por Vargas Llosa, e dialoga com teóricos como Jorge Valenzuela Garcés e Linda Hutcheon para examinar as estratégias metaficcionais do autor que questionam narrativas históricas oficiais.
A pesquisa de Barbosa, que se baseia em três pilares complementares — a categoria da “realidade real” como técnica compositiva e filosofia da criação literária, a dimensão antropológica de sua escrita e a incorporação de elementos teatrais na narrativa — explora como Vargas Llosa transforma o ato de narrar em um objeto de investigação sem esvaziar a força dramática de suas histórias. O artigo destaca a capacidade do autor de transfigurar o material empírico em substância narrativa, um processo que envolve uma reelaboração crítica da experiência em vez de uma mera transposição mimética.
O estudo analisa as obras La señorita de Tacna (1981) e Kathie y el hipopótamo (1983) como exemplos cruciais da trajetória de Vargas Llosa, onde a reflexão metaficcional alcança um alto grau de sofisticação. Em La señorita de Tacna, Vargas Llosa explora a memória familiar e a construção da narrativa histórica, enquanto Kathie y el hipopótamo satiriza estereótipos culturais por meio da relação entre uma americana e um escritor peruano. Essa análise permite identificar como Vargas Llosa desenvolve uma “arqueologia da ficção”, expondo seus mecanismos internos enquanto os mantém em funcionamento. A metodologia empregada combina a análise textual aprofundada com uma perspectiva teórica que articula estudos literários, antropologia cultural e filosofia da linguagem.
A “realidade real”, conforme discutida por Valenzuela Garcés (2017), é central para compreender a obra de Vargas Llosa, representando a ambígua relação entre a experiência vivida e a narrada. Vargas Llosa sugere que a verdadeira “realidade real” emerge no espaço tenso entre o fato bruto e a pura imaginação. A dimensão antropológica da ficção de Vargas Llosa, abordada por Valenzuela Garcés (2014), revela as obras do autor como “laboratórios de antropologia ficcional”, dissecando códigos culturais, hierarquias sociais e mecanismos de poder. O método de “estranhamento narrativo” de Vargas Llosa subverte as percepções habituais do real, revelando o caráter construído das convenções sociais.
A imbricação entre narrativa e teatralidade na obra de Vargas Llosa é outra dimensão crucial, estudada por Valenzuela Garcés (2017). A teatralidade atua como um “dispositivo epistemológico” que explora a natureza construída da realidade social. Em La señorita de Tacna, a estrutura narrativa se organiza em atos, subvertendo a linearidade temporal e revelando o interesse de Vargas Llosa nas relações entre realidade e ficção. A teoria dos “demônios” de Vargas Llosa sugere que o escritor pode não ter plena consciência das forças que impulsionam sua criação literária, que seriam obsessões subterrâneas que reaparecem independentemente da vontade do autor, configurando um “inconsciente criativo” da obra.
Em suma, a ficção de Vargas Llosa, ao articular forças conscientes e inconscientes, permite examinar questões contemporâneas como a violência estrutural, as construções identitárias e os mecanismos de memória e esquecimento. Os “demônios” do autor transformam-se em ferramentas críticas que iluminam as potencialidades da condição humana, reafirmando a literatura como um espaço privilegiado para refletir sobre a experiência humana.
Referência:
Barbosa L. Os demônios da ficção: crítica, estética e política na obra de Mario Vargas Llosa. Open Minds International Journal. 2025;6(1):43-51.
Centro de Pesquisa e Análises Heráclito
Neurociência / Biologia / Psicologia / Psicanálise / Genômica
Tel.: +351 939 895 955 / +55 21 999 989 695