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A Inteligência Múltipla como Preditor do Desempenho Acadêmico: Reflexões a Partir de um Estudo com Estudantes Secundaristas

A Inteligência Múltipla como Preditor do Desempenho Acadêmico: Reflexões a Partir de um Estudo com Estudantes Secundaristas

A teoria das inteligências múltiplas, proposta por Howard Gardner, vem sendo amplamente debatida no campo educacional por propor uma visão ampliada e multifacetada da cognição humana. Em vez de considerar a inteligência como uma capacidade única e generalista, Gardner defende a existência de diferentes tipos de inteligência, cada uma com base neurobiológica distinta e aplicações socioculturais específicas. No contexto da educação, essa abordagem tem implicações profundas, sobretudo na forma como compreendemos o desempenho acadêmico dos estudantes.

Um estudo conduzido por Ahvan e Pour (2016), com 270 estudantes do ensino médio da cidade de Bandar Abbas, no sul do Irã, investigou a correlação entre diferentes tipos de inteligência e o rendimento escolar. Trata-se de uma pesquisa correlacional descritiva, baseada em um questionário padronizado que avalia as oito inteligências propostas por Gardner. Os resultados revelaram que as inteligências verbal-linguística e visual-espacial apresentam correlação moderada com o desempenho acadêmico (r= 0,38 e r= 0,36, respectivamente), enquanto inteligências como lógico-matemática, interpessoal, intrapessoal, naturalista e cinestésica demonstraram correlações positivas, porém mais fracas. A inteligência musical, por sua vez, mostrou-se negativamente relacionada ao desempenho acadêmico, sendo considerada um preditor negativo significativo (β = -0,25; p<0,01).

Esse achado chama atenção para uma questão fundamental: o sistema educacional tradicional privilegia algumas formas de inteligência – especialmente a lógico-matemática e a verbal-linguística – em detrimento de outras. Tal desequilíbrio pode levar à invisibilização de talentos que não se encaixam nesse molde hegemônico. Como o próprio Gardner argumenta, todas as inteligências são essenciais para o funcionamento pleno em sociedade, e sua valorização deveria ser equitativa (Gardner, 2003). No entanto, o ambiente escolar, especialmente em regiões menos desenvolvidas, tende a oferecer condições desiguais para o florescimento dessas inteligências. No caso do estudo iraniano, os autores destacam que a infraestrutura precária e a escassez de recursos educacionais limitam o estímulo a inteligências como a musical, corporal-cinestésica e naturalista.

Além disso, o estudo confirma que as inteligências não operam isoladamente, mas em rede, apoiando-se mutuamente durante a realização de tarefas cognitivas. Isso reforça a necessidade de estratégias pedagógicas mais integrativas, que considerem a totalidade do perfil cognitivo do aluno. A identificação prévia desse perfil pode ser uma ferramenta poderosa na personalização do ensino, ampliando as possibilidades de sucesso acadêmico e pessoal para todos os estudantes.

Outro ponto relevante diz respeito à natureza plástica das inteligências. Os autores lembram que nenhuma delas é estática; ao contrário, todas podem ser estimuladas e desenvolvidas mediante experiências educacionais apropriadas. Assim, o ensino baseado em inteligências múltiplas não apenas reconhece a diversidade dos estilos de aprendizagem, como também promove a equidade educacional ao oferecer oportunidades mais inclusivas.

Em termos práticos, a aplicação sistemática da teoria das inteligências múltiplas nas escolas – sobretudo em regiões menos favorecidas – exigiria uma reformulação curricular ampla, formação continuada de professores, adaptação dos métodos avaliativos e investimento em recursos pedagógicos variados. Sem essas mudanças estruturais, continuaremos reforçando um modelo reducionista de inteligência e perpetuando desigualdades no acesso ao sucesso escolar.

Concluo com uma observação pessoal: enquanto lia este artigo, lembrei de estudantes que, em minha experiência, mostravam enorme talento em áreas como música ou habilidades interpessoais, mas tinham desempenho modesto em avaliações tradicionais. Essa desconexão entre potencial e reconhecimento é um dos desafios que a teoria das inteligências múltiplas busca enfrentar. A pesquisa de Ahvan e Pour (2016) oferece evidência empírica valiosa e, mais importante, um chamado para que repensemos os critérios de excelência acadêmica.

Referência:

AHVAN, Yaghoob Raissi; POUR, Hossein Zainali. The correlation of multiple intelligences for the achievements of secondary students. Educational Research and Reviews, v. 11, n. 4, p. 141–145, 2016. DOI: 10.5897/ERR2015.2532. Disponível em: http://www.academicjournals.org/ERR. Acesso em: 25 jun. 2025.

 

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